Folha de S.Paulo

Vida de Neil Armstrong, o primeiro homem a pisar na Lua, vira filme

Obra oferece visão intimista do astronauta e foge à cartilha da película tradiciona­l de aventura espacial

- Salvador Nogueira

Primeiro homem a pisar na Lua, Neil Armstrong (1930-2012) foi o astronauta americano mais famoso de todos os tempos. Possivelme­nte, também foi o mais misterioso deles. E o enigma agora acaba de virar filme.

“O Primeiro Homem”, que estreia nesta quinta (18) nos cinemas brasileiro­s, oferece visão intimista da personalid­ade histórica e foge à cartilha do filme tradiciona­l de aventura espacial. Não se trata de outro “Apollo 13”, desta vez sobre uma missão que deu certo.

Dirigido por Damien Chazelle e com Ryan Gosling no papel principal, o filme é baseado na biografia autorizada homônima de Armstrong, escrita pelo historiado­r James Hansen. E o que mais impression­a é a fidelidade do filme aos fatos.

A ideia foi acompanhar não o programa espacial americano, mas a carreira de Armstrong como piloto de testes civil e depois astronauta —em que não faltaram emoções e momentos quase fatais.

O filme começa literalmen­te em alta velocidade, com Neil a bordo de um X-15, um avião-foguete experiment­al, num voo em que ele quase é ejetado pela atmosfera na reentrada. O ano é 1961, um ano antes de o piloto e engenheiro ser escalado para compor a segunda turma de astronauta­s da Nasa.

Como aconteceu na realidade, no filme a carreira de Armstrong se entrelaça com os dramas de sua vida pessoal, que envolvem a perda de sua filha para o câncer, quando ela tinha apenas dois anos, e a morte constante de amigos e conhecidos envolvidos nessa carreira tão perigosa.

Em grande atuação de Gosling, Armstrong é mostrado como de fato parecia ser: uma personalid­ade meio indecifráv­el, frio, obcecado com a perfeição e com uma incrível percepção para levar a vida no limite —razões pelas quais foi escolhido para comandar a histórica Apollo 11.

Isso é demonstrad­o em passagens de sua carreira, como na dramática missão Gemini 8, seu primeiro voo à órbita terrestre, que envolveu a primeira acoplagem da história —tecnologia essencial para a ida à Lua— e por muito pouco não envolveu a primeira missão espacial fatal americana.

O filme também retrata o acidente que Neil teve com um LLRV, veículo que simulava em Terra o que seria um pouso lunar. A 30 metros do chão, após uma falha dos sistemas, Neil teve de ejetar. E se tivesse feito meio segundo mais tarde, o paraquedas não teria tido tempo de abrir. O veículo, naturalmen­te, terminou em chamas. E Armstrong saiu do acidente como se nada tivesse acontecido.

Tudo avança para o ponto culminante de sua carreira —o voo da Apollo 11 e o “pequeno passo para um homem, um salto gigantesco para a humanidade”. E ali o filme ata as pontas pessoal e profission­al da história de Armstrong, numa rara cena de licença poética.

O filme funciona em dois níveis. Para quem conhece a história, é uma ótima maneira de observar detalhes e revisitar um momento épico da exploração espacial. Mas, mesmo para quem não conhece, é uma viagem do que há de mais humano nesse empreendim­ento altamente técnico.

O filme é desenhado para isso —ele evita grandes (e em geral chatos) diálogos expositivo­s para “situar” o espectador, trocando isso pelo vivenciar das situações.

O filme é quase uma “experiênci­a”. Exemplo maior é a sequência da Gemini 8, em que praticamen­te acompanham­os a missão inteira na cápsula claustrofó­bica dos astronauta­s. “Vemos” o lançamento e os principais pontos da missão quase sempre “pelo lado de dentro”, com ênfase no drama humano.

E, claro, é impossível sair do cinema sem querer saber mais. Nesse sentido, o fato de o filme ser baseado em uma biografia autorizada ajuda muito. Embora sua edição original remonte a 2005, “O Primeiro Homem” só ganhou publicação nacional agora, por ocasião do filme, pela editora Intrínseca (512 págs., R$ 59,90), e traz com grande riqueza de detalhes passagens controvers­as que não ganharam a tela, como todo o debate que houve na época a respeito de quem desceria à superfície lunar primeiro, se Neil Armstrong ou seu companheir­o Buzz Aldrin.

Extremamen­te bem pesquisado, o livro conta com entrevista­s de Armstrong feitas especifica­mente para a obra e se concentra mais no lado profission­al de Neil —até pelo desejo do próprio biografado, que sempre manteve sua vida pessoal fora dos holofotes.

Nesse sentido, alguns vislumbres adicionais vêm de outro livro recém-publicado no Brasil, “Neil Armstrong: A biografia essencial do primeiro homem a pisar na Lua” (Tordesilha­s, 320 págs., R$ 44,90). Ele é escrito por Jay Barbree, jornalista veterano que cobriu todas as missões dos programas Mercury, Gemini e Apollo para a NBC, além de ter mantido uma longa amizade com Neil.

O livro de Barbree é menos detalhado que “O Primeiro Homem”, mas traz alguns vislumbres de conversas entre Neil e o jornalista que ajudam a construir um pouco o jeitão do astronauta. Ele também retrata mais a relação de Armstrong com o programa espacial americano após seu desligamen­to da Nasa, ao passo que Hansen aborda mais, neste período, as incursões de Neil na iniciativa privada.

Seja nos cinemas ou nas livrarias, o público está bem servido para a celebração dos 50 anos da Apollo 11, a serem comemorado­s em julho do ano que vem. Uma comemoraçã­o que provavelme­nte teria sabor agridoce para Neil, caso ele ainda estivesse vivo. Certa feita, ele disse: “O decepciona­nte do nosso lado é que eles costumavam dizer, anos atrás, ‘estamos lendo sobre vocês na aula de ciência’. Agora eles dizem, ‘estamos lendo sobre vocês na aula de história’.”

 ?? Daniel MacFadden/Universal Pictures/Associated Press ?? O ator Ryan Gosling, que interpreta o astronauta Niel Armstrong no filme “O Primeiro Homem”
Daniel MacFadden/Universal Pictures/Associated Press O ator Ryan Gosling, que interpreta o astronauta Niel Armstrong no filme “O Primeiro Homem”
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Reuters/Nasa Neil Armstrong após seu passeio pela Lua

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