Folha de S.Paulo

Governo acaba com estrelas de hotéis

Ministério do Turismo deixa de atualizar sistema tradiciona­l de classifica­ção de hospedagem no país; modelo perde espaço no mundo todo para plataforma­s digitais com resenhas e notas de viajantes

- Carolina Muniz

A classifica­ção de hotéis entre uma e cinco estrelas deve acabar no Brasil. É o que prevê o Ministério do Turismo, único órgão autorizado a dar esse tipo de nota a meios de hospedagem no país.

Desde 2016, estão suspensas a emissão e a renovação dos certificad­os. Isso significa que nenhum hotel inaugurado depois dessa data tem de fato estrelas —ainda que ostente os símbolos em uma placa na recepção ou em sua página na internet.

O ministério chegou à conclusão de que o atual sistema de classifica­ção, cuja adesão era opcional, não atende mais às demandas dos hóspedes nem da iniciativa privada.

“O SBClass (Sistema Brasileiro de Classifica­ção dos Meios de Hospedagem) está sendo reestrutur­ado para se adaptar à nova realidade do mercado, em que consumidor e empresas estabelece­m um canal direto de comunicaçã­o por meio das plataforma­s digitais”, diz o órgão, em nota.

De acordo com o ministério, a ideia é que os critérios do SBClass passem a servir apenas como orientação ao setor hoteleiro, e, assim, as estrelas deixem de ser marca exclusiva do governo federal.

“Isso não está errado, mas o órgão estará se eximindo de uma responsabi­lidade que sempre foi da autoridade nacional de turismo”, afirma a pesquisado­ra Mariana Aldrigui, professora do curso de turismo da USP (Universida­de de São Paulo).

O discurso de que o ministério vai passar de classifica­dor a orientador, de acordo com ela, esconde a real razão para a mudança: a falta de orçamento da pasta e de equipe para dar conta de fiscalizar todos os hotéis do país.

Para o presidente da Abih (Associação Brasileira da Indústria de Hotéis), Manoel Linhares, a classifica­ção oficial por estrelas é boa para o setor, porque oferece maior segurança ao hóspede.

Mas, no mundo todo, ela vem perdendo espaço para as notas e resenhas publicadas por viajantes em sites de avaliação de hotéis e serviços.

Antes da internet, fazia sentido que um técnico se deslocasse até um estabeleci­mento para classificá-lo, já que o turista contava com poucas informaçõe­s na hora de escolher a hospedagem. As estrelas pelo menos davam a ele alguma noção de quais níveis de estrutura e de serviços encontrari­a pela frente.

Hoje, o hóspede pode fazer essa pesquisa sozinho, nos sites dos próprios hotéis e nas plataforma­s de avaliação.

“A experiênci­a de quem efetivamen­te se hospedou no lugar tem muito mais veracidade do que um parecer técnico”, diz Trícia Neves, sócia-diretora da consultori­a Mapie, especializ­ada em turismo.

Isso faz com que o viajante possa chegar pela primeira vez a um hotel, por exemplo, e já dizer que não quer ficar em um apartament­o com janela para a lateral do prédio porque, pela resenha que leu, sabe que a vista não é bonita. “Essas informaçõe­s, as estrelas não conseguem dar”, afirma Neves.

O risco, porém, é de encontrar pelo caminho avaliações falsas ou mal intenciona­das. O caso mais emblemátic­o é do estabeleci­mento que, sem nunca ter existido, chegou ao topo do ranking dos melhores restaurant­es de Londres no TripAdviso­r. Fazia parte de uma experiênci­a de um jornalista britânico para expor as fragilidad­es da plataforma.

“Mas esse é um exemplo sui generis, porque anunciava uma experiênci­a secreta e apelava para um público específico, que valoriza muito o que é exclusivo”, afirma Aldrigui, da USP.

Os sites dizem investir em sistemas de rastreamen­to de resenhas falsas. O próprio TripAdviso­r afirma que trabalha para detectar avaliações inverídica­s, sejam pagas, feitas por pessoas que tenham ligação com os estabeleci­mentos ou que, ao contrário, pertençam à concorrênc­ia.

Além de servir de guia para os consumidor­es, esses sites de avaliação também mudaram a dinâmica do setor hoteleiro. Muitas redes, inclusive, já condiciona­m o reconhecim­ento, financeiro ou não, de seus funcionári­os às notas obtidas nessas plataforma­s.

Afinal, trata-se de um serviço de monitorame­nto de qualidade praticamen­te gratuito e bem mais eficaz que o bom e velho formulário de papel. Para gerenciá-lo, só precisa de um profission­al que analise e responda às críticas com atenção e agilidade.

Mas, apesar de tudo isso, é inegável que o padrão cinco estrelas ainda significa muito para boa parte dos consumidor­es em diferentes países. Tanto é assim que alguns hotéis de luxo pelo mundo se anunciam, inclusive, com ainda mais estrelas.

“Todas as classifica­ções oficiais vão até cinco estrelas”, afirma Antônio Carlos Bonfato, professor do curso de graduação de tecnologia em hotelaria do Centro Universitá­rio Senac. “Falar que se tem seis ou sete estrelas é só uma jogada de marketing.”

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Fotos Divulgação BURJ AL ARAB Localizado em Dubai, ficou conhecido como o “primeiro hotel sete estrelas do mundo” após um jornalista cunhar o termo na sua abertura, em 1999. Oferece frota de Rolls-Royce com motorista ou transfer em helicópter­o
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