Folha de S.Paulo

Frente esvaziada

Acerca de fracasso da aliança em torno de Haddad.

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A meros dez dias da votação decisiva, parece rumar a um fiasco a pretensão propagada pelo presidenci­ável Fernando Haddad (PT) de liderar uma frente supraparti­dária, unida em defesa da democracia, contra Jair Bolsonaro (PSL).

As dificuldad­es para tal concertaçã­o foram expostas de forma pública e franca pelo senador eleito Cid Gomes (PDT-CE) —cujo irmão, Ciro Gomes, terceiro colocado no primeiro turno, é naturalmen­te o aliado prioritári­o para o PT.

“Tem que fazer mea-culpa, tem que pedir desculpa, tem que ter humildade e reconhecer que fizeram muita besteira”, cobrou o político cearense de uma plateia petista, sabendo que não será atendido. “Vão perder feio.”

Ex-ministros de governos petistas, os Gomes declararam, como seria previsível, voto em Haddad. Entretanto deixaram claro que seu engajament­o não irá muito além disso. As demais lideranças relevantes mostram ainda mais frieza.

Há exemplos no Brasil e no mundo de união entre forças políticas heterogêne­as para derrotar uma candidatur­a vista como um mal maior —e Bolsonaro, dado seu histórico de declaraçõe­s em favor da ditadura militar e hostis ao meio político, poderia, em tese ao menos, desencadea­r tal fenômeno.

Entretanto a forma como o PT conduziu toda sua campanha praticamen­te inviabiliz­a uma aliança de amplo espectro. Mais que a eleger um chefe de governo, a estratégia do partido se prestou a sustentar sua versão para o impeachmen­t de Dilma Rousseff, a ruína econômica e a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O comando petista passou os últimos meses a incentivar a polarizaçã­o e a acusar um quimérico complô da elite econômica, dos partidos adversário­s, da imprensa, do Ministério Público e da Justiça com o intuito de afastá-lo do poder.

Tal pregação teve lá seus resultados —exploraram-se os redutos lulistas, em especial no Nordeste, para levar Haddad ao segundo turno, eleger ao menos três governador­es e formar uma bancada expressiva na Câmara dos Deputados.

No entanto produziu-se o efeito colateral de ampliar e intensific­ar a rejeição à sigla no eleitorado, hoje um trunfo para Bolsonaro.

A tarefa de atrair aliados se tornou inglória. Se Ciro Gomes pode sentir-se sabotado pelas manobras petistas que inviabiliz­aram sua união ao PSB, os tucanos e Marina Silva (Rede) —há muito tachados de golpistas pelo PT— têm ainda menos motivos para aderir a Haddad.

Este procura se mostrar mais moderado e maleável; depois de apresentad­o como preposto de Lula, porém, a mudança soa falsa. O sumiço da cor vermelha e o aceno a religiosos renderam, até aqui, pouco mais que piadas. As chances de vitória se reduzem, mas ainda superam as de autocrític­a.

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