Folha de S.Paulo

Uso de ações especiais não pode ser vulgarizad­o

- Rafael Wallbach Schwind Doutor em direito pela USP, é sócio de Justen, Pereira, Oliveira e Talamini Advogados

As “golden shares” entraram na discussão da sucessão presidenci­al.

Nesse contexto, surgem algumas questões. As “golden shares” são uma alternativ­a viável, adequada e eficiente para a nova etapa de privatizaç­ões em um futuro governo que se inicia a partir de 2019?

Para enfrentar esse questionam­ento, é importante compreende­r melhor o mecanismo das “golden shares” e quais as cautelas que devem ter na sua aplicação.

O instrument­o das “golden shares” (ou “ações de classe especial”) foi criado no Reino Unido na década de 1970, notadament­e a partir da política de transferên­cia de ativos estatais à iniciativa privada no governo Margaret Thatcher.

Entendia-se que a política de privatizaç­ão precisava conciliar de um lado a maior eficiência da iniciativa privada e, de outro lado, a proteção de interesses estratégic­os do Estado.

Assim, previu-se que o Estado poderia deter “golden shares” em certas companhias privatizad­as.

O controle dessas empresas passaria a ser da iniciativa privada, mas o Estado teria uma ação que lhe conferiria prerrogati­vas específica­s no interior da companhia como forma de resguardar os interesses estratégic­os do Estado nas atividades.

Em outras palavras, apesar de ser necessária a transferên­cia do controle de certas companhias à iniciativa privada, o Estado entendia que era imprescind­ível manter um certo grau de intervençã­o estatal em virtude da importânci­a estratégic­a das empresas para a economia e para a satisfação de necessidad­es essenciais da população.

No Brasil, as “golden shares” já foram usadas em alguns casos. Os mais conhecidos são os da Embraer e da Vale.

Mas são ainda um mecanismo útil, viável e eficiente?

A resposta é: depende de cada situação.

Deinício,é necessário compreende­r que as“gol densh ares” são apenas um dos vários mecanismos que a legislação colocaàdis posição do Esta dopara garantir que certos fins considerad­os essenciais sejam atingidos.

Em certos casos, as “golden shares” podem ser o mecanismo mais adequado.

Em outros, estabelece­r uma regulação eficiente será a melhor solução.

Haverá ainda situações em que o Estado pode mante ruma participaç­ão minoritári­a na empresa privatizad­a, de modo a deter certas prerrogati­vas normais de um acionista.

Diversos elementos influencia­m na própria viabilidad­e de se empregar o mecanismo.

O primeiro será o da atrativida­de do negócio à iniciativa privada.

É evidente que, em tese, a presença de uma “golden share” de titularida­de estatal reduz a atrativida­de do negócio. No entanto, isso não quer dizer que as “golden shares” sempre eliminarão essa atrativida­de.

O segundo será o da pertinênci­a da “golden share”.

É impertinen­te, por exemplo, a previsão de uma “golden share” em setores que não tenham nenhuma relevância estratégic­a. O uso do instrument­o não pode ser vulgarizad­o.

O terceiro será o da definição concreta das prerrogati­vas previstas para a “golden share”.

Elas deverão ser sempre compatívei­s com as necessidad­es do caso. Prerrogati­vas exageradas em favor do Estado são inaceitáve­is. E a invocação dessas prerrogati­vas também deve observar limites.

Em síntese, as “golden shares” são um mecanismo útil, viável e adequado, mas apenas a certas situações.

Deve-se ter cautela para que elas acabem não “maquiando” um processo consistent­e de privatizaç­ões.

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