Premiados
A conquista da Palma de Ouro no Festival de Cannes valida “Assunto de Família” como uma das apostas seguras da Mostra. Mas qual o peso ainda do principal prêmio da mais estimada competição do cinema de autor?
Apesar de ter provocado menos questionamentos que a Palma de 2017 para “The Square”, a escolha do júri foi interpretada como um gesto de reconhecimento do conjunto da obra do japonês Hirokazu Kore-eda.
Visto no contexto sempre tumultuoso de festivais, “Assunto de Família” pode parecer discreto demais ou pouco provocativo para merecer o prêmio. O olhar terno para o cotidiano da família, objeto recorrente na filmografia do diretor japonês, pode ser confundido com “mais do mesmo”.
Parte da crítica interpretou a decisão como fiel à lógica de outras escolhas recentes, propensas a valorizar menos a originalidade es- tética que a pertinência temática dos filmes.
Esse tipo de juízo, contudo, dissolve-se à medida que somos absorvidos pela armadilha que Kore-eda monta. O microcosmo de “Assunto de Família” sinaliza, como nos filmes de Yasujiro Ozu, a casa como reflexo de algo maior, talvez do mundo. O ambiente ali é de acúmulo e desordem, nunca se sabe bem a natureza dos laços entre os adultos e as crianças. Uma garotinha surge do nada e é assimilada sem questionamentos. Pai e mãe sugam a renda da pensão da avó, enquanto esta tira proveito da piedade alheia.
Num primeiro momento, a malandragem que rege a vida cotidiana dessa família que vive à base de pequenos furtos em lojas soa como anedota. Seus gestos ecoam a prática de ilegalidades como algo corriqueiro, como parte da sobrevivência. Aos poucos, qualquer golpe passa a ser “normal”.
Assim, Kore-eda afirma seu domínio como criador de fábulas corrosivas, sua habilidade para aproveitar nossa conivência até não ser mais possível escapar. Quando chega a virada, tomamos uma bela bofetada.