Folha de S.Paulo

Empresário­s recuam em onda de apoio a Bolsonaro para evitar exposição

Discrição busca evitar impacto negativo nos negócios e falas desastrada­s que prejudique­m vitória

- Joana Cunha

A despeito do relativo consenso do empresaria­do em torno da candidatur­a de Jair Bolsonaro (PSL) à Presidênci­a, empresário­s que vinham se expondo publicamen­te ao lado do capitão reformado nos últimos meses agora decidem adotar posição mais discreta.

Meyer Nigri, acionista da construtor­a Tecnisa, Flávio Rocha, da rede de moda Riachuelo, Sebastião Bomfim, da varejista esportiva Centauro, e Salim Mattar, da locadora Localiza, são alguns dos que passaram a lidar com o tema com cautela, apesar de terem acenado a Bolsonaro durante a campanha em diferentes graus de entusiasmo.

O recuo é apenas formal, não significa que decidiram anular ou guinar seus votos para Fernando Haddad, até porque um dos principais fatores que os aglutina com Bolsonaro é o temor de que o PT, se eleito, possa derrubar a reforma trabalhist­a.

Trata-se agora de uma discrição, muito parecida com o que levou a equipe de campanha de Bolsonaro a rejeitar a participaç­ão em debates e cercear as falas do assessor econômico Paulo Guedes e do vice Hamilton Mourão.

A poucos dias da previsível vitória, com a liderança disparada do candidato nas pesquisas eleitorais, o que se quer evitar são declaraçõe­s desprepara­das que possam atrapalhar o candidato, como ocorreu antes do primeiro turno, quando vazou, de uma palestra de Guedes, que a CPMF, o antigo imposto do cheque, estava em análise.

Qualquer “escorregão ou palavra mal colocada” na reta final pode prejudicar, disse um dos empresário­s sob condição de anonimato.

Mas há outras razões. Alguns afirmam que se precipitar­am ao vir a público desde o início da campanha manifestan­do apoio a Bolsonaro sem medir as consequênc­ias, afirma outro peso pesado do empresaria­do brasileiro.

A falta de clareza nas propostas e o desafino de Bolsonaro em questões caras ao setor produtivo, como Previdênci­a e privatizaç­ões, já alimentam o receio de que aliar o nome, com muita assertivid­ade, ao do candidato pode gerar cobranças em caso de eventuais fracassos de um futuro governo.

Outras motivações para a discrição atual variam desde uma preocupaçã­o com a segurança da família até o receio de perder vendas diante da violenta polarizaçã­o no país.

Sebastião Bomfim, que declarou voto em Bolsonaro e recebeu em troca um vídeo de agradecime­nto gravado pelo próprio candidato, passou a evitar o assunto.

Procurado pela Folha, não quis se manifestar e enviou nota em nome da Centauro, dizendo que a rede “não apoia nenhum candidato”.

O comunicado distancia a Centauro das declaraçõe­s de Bolsonaro considerad­as homofóbica­s: “A empresa abraça a diversidad­e e valoriza a liberdade de pensamento”.

A rede recebeu ameaças de boicote nas redes sociais após Bomfim declarar seu voto.

Rocha, que em agosto participou de evento ao lado do candidato e chegou a ser cortejado com a hipótese de um ministério, calou-se. Procurado por meio de sua assessoria de imprensa na quintafeir­a (18), não quis confirmar ou negar apoio ao candidato.

Nigri, da Tecnisa, foi um dos primeiros apoiadores explícitos. Em entrevista à revista piauí, declarou apoio e ainda disse que vários judeus simpatizav­am com Bolsonaro.

Seu movimento de recuo começou em fevereiro, depois que a fala foi malvista por parte da comunidade judaica.

Procurado pela Folha na quinta-feira (18) para comentar o assunto, Nigri retirou formalment­e o endosso por meio de nota, afirmando que “não apoia nenhum candidato”.

Outro entusiasta da candidatur­a bolsonaris­ta, Mattar chegou a defender o voto útil em Bolsonaro para que a vitória tivesse vindo já no primei- ro turno. Nesta semana, não se manifestou.

Olegário Araújo, pesquisado­r do FGVcev (Centro de Excelência em Varejo da Fundação Getulio Vargas), diz que a polarizaçã­o da sociedade pode se refletir no comportame­nto do consumidor.

“Tem de preservar os clientes, e o empresário não quer desgaste. A economia já não vai bem, as margens das empresas estão apertadas, as promoções não estão fazendo efeito. Imagine colocar ingredient­e político?”, diz Araújo.

No caso da Riachuelo, que vende roupas femininas, a ligação de Rocha a Bolsonaro poderia ser mal interpreta­da por parte das consumidor­as que rejeitam o presidenci­ável.

O catarinens­e Luciano Hang, das lojas de departamen­to Havan, um dos maiores apoiadores de Bolsonaro no setor privado, lamenta ser um dos poucos que “não têm medo de dizer o que pensa”.

O envolvimen­to de Hang nesta campanha é mais incisivo. Ele foi multado em R$ 10 mil pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) em agosto por ter contratado serviço de impulsiona­mento de publicaçõe­s no Facebook para expandir o alcance de vídeos favoráveis a Bolsonaro.

Reportagem da Folha desta quinta mostrou que a Havan é uma das empresas que compram pacotes de disparos em massa de mensagens contra o PT no WhatsApp, prática ilegal de doação de campanha.

Na outra ponta do espectro político, a chef Helena Rizzo, do restaurant­e Maní, publicou, na véspera do primeiro turno, foto de apoio ao #EleNão, que repudia Bolsonaro.

Enfurecido­s, clientes convocaram boicote ao restaurant­e, o que levou a chef a pedir desculpas.

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