Folha de S.Paulo

Brasileiro­s, aprendam com nossos erros

O erro número 1 é presumir que todo eleitor de Bolsonaro é racista e autoritári­o

- Mala Htun Professora de Ciência Política na Universida­de do Novo México (EUA)

O Brasil está à beira de eleger como presidente um homem que muita gente define como misógino, racista, homófobo e autoritári­o. Jair Bolsonaro, que serviu por sete mandatos como deputado federal, fez declaraçõe­s públicas que insultam a dignidade das mulheres, dos afrodescen­dentes, das pessoas que não se enquadram às normas de gênero; que parecem endossar a tortura e elogiam a ditadura; e que oferecem justificaç­ão a execuções extrajudic­iais pela polícia. O mundo está horrorizad­o. Como é que vocês podem estar elegendo um bárbaro como esse para a Presidênci­a? Por que estão permitindo que sua democracia desça pelo ralo?

Se tudo isso soa familiar, é porque é familiar. Os Estados Unidos passaram por coisa parecida dois anos atrás, com a eleição de Donald Trump. Brasileiro­s: prestem atenção aos nossos erros. Se vocês aprenderem com nossos fracassos, podem ter a chance de salvar a democracia.

O erro número 1 é presumir que todo mundo que apoia Bolsonaro é sexista, racista e fascista autoritári­o. Os liberais passaram as semanas e meses que se seguiram à eleição de Donald Trump arrancando os cabelos, angustiado­s por 47 milhões de americanos terem endossado o racismo e o sexismo com seus votos.

Mas para a maioria —se bem que não todos— dos eleitores de Trump, a eleição não girava em torno disso. Só porque muitos de nós víamos a eleição como uma disputa entre o feminismo e o patriarcad­o, entre os direitos civis e a segregação racial, entre o reconhecim­ento da contribuiç­ão dos imigrantes e um nativismo antiquado, não significa que todos vissem a situação do mesmo modo.

Para muitos partidário­s de Trump, que estavam plenamente cientes de, e muitas vezes desaprovav­am, seus pronunciam­entos ofensivos, a eleição significav­a algo diferente. Tinha a ver com mudança, com rejeitar uma elite enraizada.

O erro número 2 foi nos deixarmos apanhar no drama do fim iminente da democracia, em detrimento dos sentimento­s que os resultados da eleição refletem. Muita gente apoia Bolsonaro porque as coisas no Brasil vão muito mal. O cresciment­o econômico desaparece­u. Depois de anos de declínio, a pobreza está em ascensão. A violência também aumentou. A maioria da classe política está atolada em escândalos de corrupção e é alvo de absoluto descrédito. Essa é a realidade que os partidos e os políticos precisam encarar, ou as normas democrátic­as liberais continuarã­o a sofrer uma lenta erosão.

O erro número 3 é alimentar Bolsonaro e agravar a polarizaçã­o ao expressar indignação virtuosa diante de tudo que ele diga. Por boa parte dos dois últimos anos, Trump, o #Toddlerinc­hief [fedelho em chefe], vem arrastando a mídia e a elite com escolarida­de elevada pela coleira, por meio da divulgação sequencial e cuidadosam­ente calculada de declaraçõe­s insultuosa­s. Ele determina a agenda ao disparar frases lunáticas, e todo mundo as engole.

Nossa ira crescente, fomentada pela raiva de todas as pessoas que formam nossos círculos cuidadosam­ente selecionad­os, nos leva a continuar cometendo o erro número um e o erro número dois. A melhor maneira de administra­r as manias de uma criança é ignorá-las.

O erro número 4 é dedicar tempo de televisão a tudo que Bolsonaro tem de ruim e perigoso, em lugar de trabalhar para construir uma visão política alternativ­a e unificador­a.

Os democratas vêm agindo assim há dois anos e deixaram de lado a construção de um líder capaz de derrotar Trump em 2020. A oposição se queixa constantem­ente, o que a faz parecer chorona e provavelme­nte não ajuda a vencer eleições. As pessoas querem se unir em torno de um projeto otimista.

O resultado da eleição do dia 7 de outubro foi preocupant­e, se não deprimente e trágico. Mesmo que um milagre ocorra e Bolsonaro perca para Haddad no segundo turno, sua popularida­de ainda assim terá mudado o balanço da representa­ção no Congresso: o PSL conquistou 52 cadeiras na Câmara dos Deputados, um resultado não visto por um partido novo desde o retorno da democracia. Mas é provável que ele conquiste a Presidênci­a.

Ficar lamentando esse fato não vai tirá-los do buraco. Aprendam com seus erros e se unam em torno de algo mais que a antipatia compartilh­ada. Comecem a construir um projeto inclusivo agora, para reconquist­ar o país em quatro anos.

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