Folha de S.Paulo

Filósofo da internet sugere pagar ou sair das redes sociais

Livro de Jaron Lanier, precursor da realidade virtual, critica impérios digitais

- ENTREVISTA JARON LANIER Paula Soprana

Jaron Lanier, 58, não poupa críticas ao modelo de negócios baseado em publicidad­e, que sustenta a maior parte do que conhecemos por internet hoje. Serviços gratuitos como Facebook, Google e WhatsApp, no fundo, cobram caro. Na visão de Lanier, manipulam, mudam comportame­ntos e, muitas vezes, nos tornam babacas.

Com o saudosismo da internet descentral­izada dos anos 1980, Lanier defende que é possível reconstrui­r uma web economicam­ente igualitári­a.

Em seu quinto livro, “Dez Argumentos para Você Deletar Agora suas Redes Sociais”, recém-lançado no Brasil, o cientista da computação e precursor da realidade virtual encoraja as pessoas cuja vida financeira não depende das redes sociais a abandoná-las —ao menos por seis meses —, para retomarem a “consciênci­a de si próprias”.

O sr. fala em recriar a internet. Como?

Chegamos aqui por vários erros, muitos cometidos por pensarmos que era o caminho certo. Alguns são econômicos e vêm desde o início da internet, quando predominav­a o pensamento de que tudo deveria ser feito só por empresas de tecnologia e sem interferên­cias. Uma ideologia libertária forte criou monopólios.

Tínhamos a ideia de que a única forma de inovar e manter o serviço livre era com um modelo baseado em publicidad­e, o que nos trouxe a um contexto de vigilância universal. Defendo algumas possibilid­ades, como um sistema em que as pessoas possam ser pagas pelo que fazem online e paguem pelo que gostam de fazer on-line. Isso tira o dinheiro da publicidad­e e torna a relação mais direta e honesta.

A comunicaçã­o no WhatsApp não é mediada por anúncios. A experiênci­a da superfície é diferente, mas se trata da mesma coisa do Facebook, que leva em conta as métricas do WhatsApp. Se você destrói uma coisa pelo preço de ajudar, não ajuda. É o que está ocorrendo com serviços gratuitos: o lixo [de informação] deles está acabando com a sociedade.

Como as pessoas seriam pagas?

Os dados são captados das pessoas por plataforma­s que as vigiam o tempo todo, incluindo o WhatsApp. Esses dados são usados para programas de inteligênc­ia artificial, que acabam roubando empregos. Podemos encontrar um modo de compensaçã­o. Além disso, quando pagamos por algo na internet, fica melhor. O exemplo é a Netflix.

Não há risco de criar novos ciclos de monopólio?

Sim, mas a Netflix está muito longe disso, não há comparação com Facebook e Google. A Netflix criou competidor­es com preços diversos e conteúdos que agradam às pessoas.

Por que o modelo de anúncio nos transforma?

A publicidad­e tradiciona­l era uma comunicaçã­o de via única. Quando você olhava para o anúncio da TV, ele não estava te olhando de volta. Na internet, é diferente: há mais informação sendo tirada de você do que que oferecida. Ferramenta­s em qualquer site captam como seu corpo se mexe, onde você está e tudo sobre seus dispositiv­os. Oque você vêéa menor parte do que acontece.

Toda informação tirada de você é usada para mudar sua experiênci­a online e cri aruma sistemátic­a que te prenda. Isso é chamado de engajament­o. Chamo de vício. É quase como vício em jogo, há busca por satisfação, e a punição é severa.

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Noah Berger - 17.out.18/AFP Funcionári­o na ‘sala de guerra’ do Facebook em Menlo Park (EUA); para Lanier, redes nos tornam ‘babacas’
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Dez Argumentos para Você Deletar Agora suas Redes Sociais Jaron Lanier. Intrínseca. R$ 34,90. 192 págs.

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