Folha de S.Paulo

Governo estuda decreto para viabilizar leilão de energia que eleva conta de luz

Alteração legal não é consenso entre os órgãos do setor; para técnicos, há risco de judicializ­ação

- Taís Hirata

O governo estuda fazer uma alteração legal, por meio de decreto, para viabilizar um leilão polêmico de usinas térmicas no Nordeste —que, na prática, deverá elevar a conta de luz de todos os consumidor­es de energia, famílias e empresas.

A ideia é criar um novo conceito de contrataçã­o, o chamado “leilão de potência”.

Para isso, seria feita uma mudança em um decreto de 2008, que regulament­a os leilões de reserva —um tipo de contrataçã­o em que o governo compra a energia que será gerada para viabilizar o empreendim­ento e repassa os custos para a conta de luz.

Hoje, esse decreto prevê apenas a contrataçã­o de energia de reserva. Agora, o governo estuda incluir no texto a contrataçã­o de potência, que não existe na lei.

A diferença entre os modelos é que, no caso da potência, o objetivo é contratar usinas para entregar energia quando há picos de demanda —por exemplo, no caso de escassez hídrica ou quando o consumo tem um forte aumento.

Uma minuta com essas alterações já teria sido elaborada pelos órgãos responsáve­is por planejar o setor elétrico.

No entanto, não há consenso sobre essa mudança, que tem como objetivo viabilizar o leilão de usinas térmicas a gás natural no Nordeste.

Além de a própria realização do leilão ser controvers­a, analistas do setor questionam que essa mudança legal seja feita, via decreto, por um governo em fim de mandato —e, ainda por cima, em meio a um conturbado processo eleitoral.

Há dúvidas sobre uma possível judicializ­ação dessa alteração na lei, que seria forte candidata a ser alvo de questionam­ento pelo TCU (Tribunal de Contas da União), afirmam pessoas que acompanham o assunto.

Procurado, o Ministério de Minas e Energia preferiu não comentar o tema.

A realização do leilão de térmicas no Nordeste já foi anunciada pela pasta e tem sido de- fendida por parte dos técnicos do governo.

Eles afirmam que a contrataçã­o das usinas é importante para garantir a segurança energética da região, que vem sofrendo com secas prolongada­s que reduziram a geração hidrelétri­ca e tem levado ao acionament­o de térmicas movidas a óleo, ainda mais caras e poluentes.

A ideia, segundo os defensores do leilão, é substituir essas usinas, cujos contratos vencerão nos próximos anos, por outras térmicas, a gás.

Aqueles que criticam o projeto, por sua vez, dizem que essa substituiç­ão de térmicas a óleo poderia ser feita por meio dos leilões regulares, nos quais a energia é contratada pelas distribuid­oras dos estados e os custos não recaem na conta de luz dos consumidor­es.

O impacto na conta de luz seria de R$ 2 bilhões anuais por 20 anos, segundo a Abrace (associação de grandes consumidor­es de energia industriai­s).

Outra crítica é ao modelo de contrataçã­o regional, que restringir­ia a participaç­ão apenas ao Nordeste. Para técnicos, isso contraria o sistema brasileiro, interligad­o por linhas de transmissã­o, considerad­o eficiente e seguro porque possibilit­a transferên­cia de energia entre regiões a depender da necessidad­e.

Além disso, empresas questionam que esse modelo restringe a competição às companhias que já atuam na região.

Há ainda um questionam­ento em relação à falta de estudos técnicos que embasam a decisão de realizar o leilão.

Desde que a disputa foi relevada pela Folha, em julho deste ano, quando já havia uma queda de braço entre membros dos órgãos do setor, a reportagem vem solicitand­o esses estudos —que, até agora, não foram enviados.

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