Folha de S.Paulo

Aos 21, artista plástico do Recife expõe em NY as feridas da violência brasileira

Trabalho de Samuel d’Saboia, o Sarmurr, é influencia­do pela morte trágica de 5 de seus amigos

- Daniele Brant Fotos Divulgação

O ano está sendo um misto de realização profission­al e tragédias pessoais para o jovem artista plástico Samuel d’Saboia. Aos 21 anos, Sarmurr, como é conhecido no Instagram, expôs pela primeira vez sozinho em uma galeria nova-iorquina, antes de ir para Portugal e Paris. Por outro lado, diz ter perdido cinco amigos para a violência no Brasil, entre janeiro e maio.

Essas mortes viraram uma obra, “Belas Feridas”, que foi exposta na Ghost Gallery, no Brooklyn, na terceira vez em que Sarmurr expôs seus trabalhos em Nova York.

A obra tem influência de Maykon, 22, que sofreu overdose e foi jogado em um rio no Recife após uma briga. Tem também Eduardo, 16, que morreu com um tiro nas costas na mesma cidade. E uma das mortes que mais marcou o artista plástico: a de Matheusa, 21, esquarteja­da e queimada por traficante­s no Rio de janeiro depois de ser agredida.

Ambos frequentav­am o mesmo coletivo, o AEAN-FDC (Ambiente de Empretecim­ento da Arte Nacional a Favor da Descoloniz­ação Cultural). Matheusa era o nome adotado por Matheus Passarelli, estudante de artes da UERJ (Universida­de do Estado do Rio de Janeiro).

Ela foi morta depois de ser encontrada transtorna­da em uma favela de Quintino, zona norte do Rio. Foi julgada e morta pelos traficante­s.

“Carrego um vídeo até hoje de a gente conversand­o nos ensaios. Todo mundo enxerga o luto de uma forma diferente”, conta o artista. “Cada morte me fez refletir sobre o cenário político, cultural e sociológic­o do Brasil como um meio de achar motivos e alguém para culpar”, diz.

Segundo o mais recente Anuário Brasileiro de Segurança Pública, o Brasil registrou 63.880 mortes violentas no ano passado, uma média de 175 por dia. A taxa de 30,7 vítimas por 100 mil habitantes é mais de cinco vezes maior que a do país onde o artista plástico acaba de expor suas obras —o índice dos EUA foi de 4,9 em 2015, segundo relatório do Banco Mundial.

Já o do estado de Pernambuco foi mais de dez vezes maior. Assim como o amigo jogado em um rio, Sarmurr é do Recife. Cresceu em meio a uma cidade violenta. Sua família —mãe, pai e dois irmãos mais novos—, mora em Totó, bairro em que o valor médio do rendimento dos domicílios é de R$ 1.2965, segundo o Censo.

Ele começou a pintar aos 12 anos, quando estava terminando o ensino médio. Precoce, Sarmurr entrou na faculdade, de arquitetur­a e urbanismo, aos 14 anos. O início foi turbulento. Os pais, pastores batistas, não concordara­m com o caminho pelo qual o filho estava enveredand­o, o da arte.

“Disseram que eu estava possuído, que a gente tinha que conversar. Meu pai trancou o material que produzi no escritório dele por seis meses. Eles fizeram acompanham­ento psicológic­o comigo, falaram horrores”, diz.

A soma desses fatores levou Sarmurr a experiment­ar um período depressivo quando tinha 14 anos, durante o primeiro ano da faculdade. Gostou de urbanismo, mas desistiu depois de dois anos, porque achava que não era o que buscava na vida.

Foi parar no curso de design gráfico. “Não terminei. Vazei odiando metade dos professore­s. Fui reprovado por falta, tinha que fazer mais seis meses, mas eu não tinha mais um ano na vida para perder em faculdade”, diz.

Sarmurr decidiu, então, entrar de vez para o mundo da arte. A exposição em Nova York foi a terceira na cidade, mas a primeira individual. Vendeu cinco das nove telas que expôs por US$ 3.000 (cerca de R$ 11 mil) cada uma.

A mostra foi bancada com dinheiro do próprio bolso e com a ajuda de amigos. Cada tela, no Brasil, parte de R$ 4.000. “Vendi 20 e poucas no Brasil para poder estar em Nova York e ganhei a passagem de volta, todo mundo ajudou”, conta.

De Nova York, foi para Lisboa, onde seu trabalho foi exposto no último sábado (13). Sarmurr chegou a Paris dois dias depois, e fica na Cidade Luz até 13 de novembro. “A ideia era voltar para Recife depois, mas tenho abandonado cada vez mais essa ideia. Talvez não volte”, afirmou.

O tempo que leva para criar as obras varia. “Já fiz tela em dez minutos. Mas eu preciso de um momento para respirar, fazer uma coisa nova”, diz. “É como eu enxergo as coisas, meu processo de investigaç­ão é sempre esse.”

Apesar do background de violência, ele diz ver a “arte como forma de conforto, e não de confronto”.

“Sempre tive esse pano de fundo de fé, falo com Deus até hoje. Vejo a arte de uma maneira espiritual”, diz. “Não é só um desenho, um rabisco, é uma forma de investigar o que eu estou passando e onde quero chegar.”

“Todo mundo enxerga o luto de uma forma diferente. Cada morte me fez refletir sobre o cenário político, cultural e sociológic­o do Brasil como um meio de achar motivos e alguém para culpar

Samuel d’Saboia, ou Sarmurr artista plástico

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Samuel d’Saboia, o Sarmurr, em frente a obras que expôs em galeria no Brooklyn, em Nova York
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O artista plástico, que tem 21 anos e conta ter perdido cinco amigos em 2018

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