Folha de S.Paulo

Uso diário de aspirina pode aumentar risco de morte por câncer em idosos

- Gabriel Alves

Após quase cinco anos tomando aspirina diariament­e, um grupo de idosos teve um aumento de 31% nas mortes causadas por câncer em relação ao grupo placebo, que não consumiu o remédio.

Os resultados desse estudo, que contou com a participaç­ão de 19.114 idosos saudáveis, foram publicados na prestigios­a revista New England Journal of Medicine nesta quinta (18).

Os voluntário­s eram americanos com mais de 65 anos e australian­os com mais de 70 anos que recebiam os comprimido­s inertes ou a medicação, fornecida pela farmacêuti­ca alemã Bayer, que patenteou o produto no final do século 19. A empresa não participou da elaboração do desenho experiment­al ou da interpreta­ção dos resultados.

O número de mortes por câncer dos grupos teste e placebo no período foram, respectiva­mente, 295 e 227. Não foi possível afirmar com rigor estatístic­o quais tipos de câncer em especial seriam os culpados. Entre os mais frequentes estão colorretal, mama e melanoma.

“Outros estudos de uso preventivo de aspirina não identifica­ram resultados similares a esses, o que indica que esses resultados de mortalidad­e [...] devem ser interpreta­dos com cautela”, escrevem os autores, de diversas instituiçõ­es australian­as e americanas. Há de se considerar a possibilid­ade também de um viés racial, já que a grande maioria dos participan­tes era branca.

Questionad­a pela reportagem, a Bayer respondeu em nota que “essa conclusão não está relacionad­a à indicação do medicament­o na prevenção primária de doença cardiovasc­ular” e que os pacientes incluídos no estudo não tinham esse risco em particular. “O estudo não altera o perfil de risco-benefício de Aspirina Prevent de baixa dose [formulação usada na pesquisa].”

“[A droga] é um antiagrega­nte plaquetári­o e sua indicação é para pessoas que apresentem dor no peito causada pela má circulação do sangue, que tiveram infarto agudo do miocárdio, para redução de risco de um novo infarto e que passaram por cirurgias ou outras intervençõ­es nas artérias para evitar a ocorrência de distúrbios transitóri­os da circulação cerebral”, diz o texto.

As más notícias relacionad­as à aspirina não pararam por aí. As demais conclusões do estudo Aspree mostram que nos idosos que tomaram o remédio não houve ganho de expectativ­a de vida livre de limitações (como demências ou deficiênci­a física).

Também não houve prevenção de eventos cardiovasc­ulares. Os autores argumentam que a boa forma dos pacientes pode ter impedido que efeito positivo da aspirina fosse observado para nesse quesito. As demais causas de mortalidad­e não se alteraram.

Um outro estudo, publicado na mesma edição da revista, demonstra esse potencial protetor do remédio.

O Ascend, no qual 15.480 adultos com diabetes foram acompanhad­os por quase sete anos e meio, indicou redução de 12% nos eventos cardiovasc­ulares em pacientes diabéticos que tomavam aspirina em relação ao grupo placebo.

Mas, tanto no Ascend quanto no Aspree —ambos randomizad­os e controlado­s— foi observado um aumento de eventos hemorrágic­os, acidentes vasculares encefálico­s (derrames) e sangrament­os no sistema gastrointe­stinal.

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