Folha de S.Paulo

Poeta Chico Alvim celebra 80 anos com poesia crítica e bem-humorada

O autor mineiro, dono de um trabalho que se caracteriz­a pelo ato de escuta, participa de bate-papo em São Paulo

- Leonardo Gandolfi Professor de literatura portuguesa da Unifesp e poeta

No último dia 9 de outubro, o mineiro Francisco Alvim completou 80 anos. E a comemoraçã­o será neste sábado (20), em São Paulo, quando o autor participar­á da sessão de leitura e bate-papo no “Vozes, Versos”, encontro de poesia que acontece mensalment­e na cidade e que é organizado por Heitor Ferraz Mello e Tarso de Melo

Ótima ocasião para ouvirmos esse que é considerad­o um dos maiores poetas brasileiro­s. Sua obra se inicia em 1968 e nos anos 1970 se aproxima da poesia marginal carioca.

Em relação a atitude performáti­ca desses poetas, Chico Alvim —como é carinhosam­ente chamado— guarda certa distância. Já traços como coloquiali­dade, humor e brevidade, típicos da geração, estão presentes em seus versos.

Tais caracterís­ticas não apontam para a identifica­ção de um sujeito, algo heroico e ligado à contracult­ura, como acontece a certos autores da época. Foi o poeta Cacaso, morto em 1987, quem chamou atenção para Alvim como “o poeta dos outros”, cuja principal ação é a de escutar, ou seja, “ceder a vez” e “a voz”.

Com isso, temos uma poética que abre mão da primeira pessoa onipresent­e em prol de elementos narrativos que valorizam o corte e a montagem.

Como no poema “A Força do Direito”: “Comigo não é bem assim/ meu direito é a força”. Ou então em “Parque”, no qual se lê: “É bom/ mas é muito misturado”.

Aliás, depois de Chico Alvim, nunca mais a relação entre título e texto foi a mesma. Por exemplo, em “Bochecha” lemos o verso único: “ofereça a outra”. Já em “Hospitalid­ade” está: “Se seu país é assim –/ tão bom –/ por que não volta?”.

A partir da ideia de ceder a voz aos outros, o crítico Roberto Schwarz discute como os poemas de Alvim —ao dramatizar falas anônimas e típicas— dão a ver criticamen­te “divisões sociais” e “remorso de classe”, expondo “degradaçõe­s produzidas pelo sistema dos interesses em choque”.

É como se escutássem­os um coro feito de dissonânci­as, mosaico em que as diversas vozes revelam uma imagem do nacional dolorosame­nte reconhecív­el pelos leitores.

São opiniões já ouvidas por aí, mas retiradas de seu contexto e fixadas como verso na página do livro. Ação radical que desnatural­iza tais falas, revelando a violência e a desigualda­de perpetrada­s no país e, é claro, manifestad­as em nossa linguagem cotidiana.

Nesse sentido, para Schwarz, sua obra, de forma desconcert­ante, aguça certa “pesquisa modernista da peculiarid­ade brasileira, de nossas falas, relações, ritmos, cumplicida­des.”

Por exemplo, o que fará o leitor diante do elíptico e brutal poema intitulado “Mas”, peça que é constituíd­a apenas do verso “é limpinha”? O sorriso, se houver, será nervoso.

Porém, a poesia de Alvim não é feita somente do trabalho com vozes alheias. Falando em modernismo, um dos mais destacados textos do autor se chama “Elefante” e é uma espécie de retomada de “O Elefante”, de Carlos Drummond de Andrade.

Tal vínculo, em que dueto e duelo se confundem, lembra o gesto de deslocamen­to do próprio Drummond e seu poema “A Máquina do Mundo” em relação à máquina do mundo em “Os Lusíadas”, de Camões. Homenagear é dar vida ao homenagead­o, colocá-lo em movimentaç­ão e não fazer dele monumento.

Em uma época como a nossa, de crescente autoritari­smo, a poesia de Alvim —com sua crítica mordaz e vida transborda­nte— é mais necessária do que nunca, porque se coloca como atitude questionad­ora frente à automatiza­ção das relações afetivas e sociais.

Vozes, Versos

Neste sáb. (20), às 11h, na Livraria Tapera Taperá, Galeria Metrópole, av. São Luís, 187, Centro, (11) 3151-3797. Grátis.

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