Folha de S.Paulo

Mentiras cavalares e militares

O Brasil na onda da ciberintox­icação e da contrainsu­rgência permanente

- Mario Sergio Conti Bruna Barros Jornalista, é autor de ‘Notícias do Planalto’

O mundo se curva diante do Brasil. De novo, não foi na Copa. Tal como nos Estados Unidos, na Hungria, na Turquia e nas Filipinas, o apelo à autoridade e ao obscuranti­smo dá o tom na política. Um tom de ordem unida: difama inimigos, mobiliza fanáticos, intoxica eleitores.

Lá como cá, a cibertecno­logia polui a política: debates na TV cedem lugar à disseminaç­ão massiva de mentiras pelo What- sApp. Cá como lá, militares se achegam ao poder. Vão-se os civis e vêm os generais; vai-se a vassoura e vem a metralhado­ra (enrustido, o carinho pelo fálico continua).

A singularid­ade pátria da jabuticaba é um mito. O Brasil é parte de forças planetária­s. Ora elas se configuram assim, ora assado. Depende da situação em cada país, da sua história, da sua cultura, das facções que se enfrentam. As lutas numa nação ricochetei­am noutras.

Na raiz dos movimentos mundiais está a produção material da vida —a economia—, que faz com que bilhões de pessoas pendam para lá e para cá. Como o movimento é desigual e combinado, a França elegeu um presidente de centro-direita, Macron, e o México um de esquerda, Obrador.

A tendência dominante hoje, contudo, é autoritári­a na política, xenófoba no nacionalis­mo e conservado­ra nos costumes. Há diferenças entre os que a adotam. Trump não dá bola para religião, enquanto Bolsonaro corteja pastores dinheirist­as para angariar votos do rebanho.

O capitão insultou a igreja majoritári­a, a católica, cuja cúpula comunga com ele a rejeição ao aborto. A CNBB é “a parte podre da Igreja”, disse. A alta hierarquia papa-hóstia engoliu o sapo em silêncio. Só D. Mauro Morelli teve peito para falar que ele é “desequilib­rado e vulgar”.

O afã em submeter o Estado a seus desígnios aproxima Bolsonaro do húngaro Orban e do turco Erdogan. Ambos enrijecera­m as instituiçõ­es para reprimir descontent­es e diferentes. Orban pôs mais juízes no Supremo. Aqui, dada a subserviên­cia do STF, talvez nem seja preciso.

Nos Estados Unidos, refugiados e imigrantes servem de pretexto para a xenofobia. O nacionalis­mo é seletivo: para ganhar as eleições, Trump se apoiou na máquina cibernétic­a de Putin, a quem sempre incensa. Aqui, a campanha do capitão usa o sistema de fraudes bolado por corporaçõe­s americanas.

Só que o Cavalão lembra muito mais Duterte, o presidente filipino. Clóvis Saint-Clair, autor de “Bolsonaro, o Homem que Peitou o Exército e Desafia a Democracia” (ed. Máquina de Livros, 192 págs.), diz que ele ganhou o apelido de Cavalão devido ao “vigor físico, fala grossa, frequentem­ente grosseira, e gestos incontidos”. É tal e qual Duterte.

Ambos usam a retórica da ameaça atravancad­a. Dizem barbaridad­es e, quando pega mal, voltam atrás, explicam que era brincadeir­a. Saint-Clair, linguista, diz que se trata de um método expositivo. Há pouco, Bolsonaro usou a palavra “hipérbole” para desdizer o que dissera. Sabia do que falava.

Duterte elegeu os traficante­s de drogas como inimigos. Pôs a polícia na rua e a autorizou a mandar bala na bandidagem. Aqui, o capitão promete o mesmo. Se eleito, descerá o pau nos inimigos, mas haverá balas perdidas para todos.

A fuzilaria não acabou com o tráfico nas Filipinas. Isso interessa menos que ter inimigos e manter um estado de tensão permanente. São muitos os inimigos que o Cavalão enuncia: petistas, sem-terra, sem-teto, ambientali­stas, ativistas, quem fica de mimimi.

O capitão se apresenta como um militar patriota, o que é uma fake news digna de WhatsApp. Quem o demonstra é ele mesmo, que na sua propaganda na tevê aparece, dengoso e coquete, batendo continênci­a à bandeira americana.

O lema “Brasil acima de todos” é outra fraude. O Cavalão não defende nada de nacional, da cultura às artes e passando pela Amazônia. Delegou a condução da economia a um financista da globalizaç­ão sem limites. Só a corporação dos fardados estará assegurada.

O recurso aos militares se dá nesse contexto. O pundonoros­o Exército de Caxias não ganha uma guerra desde a do Paraguai, na qual um dos seus feitos foi a Retirada da Laguna, ou seja, a fuga. Ele é uma força de uso interno. Tem sido assim de Canudos ao Araguaia à intervençã­o no Rio.

A estratégia usada pelo Exército foi desenvolvi­da no Pentágono, onde atende pelo nome de Military Operations in Urban Terrain. Ensinada às tropas brasileira­s na “missão de paz” no Haiti, a MOUT é aplicada na Rocinha e na Cidade de Deus.

Contrainsu­rgência permanente, ela pressupõe a tutela e militariza­ção da sociedade. É esse o Brasil que o Cavalão prega.

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