Folha de S.Paulo

Identifica­ção com candidato agrada e preocupa militares

Oficiais generais temem que Forças Armadas virem vidraça ou sejam associadas a fracassos num eventual governo do capitão

- Igor Gielow LEIA MAIS nas págs. A8, A9 e A10

A cúpula das Forças Armadas está preocupada com identifica­ção entre a instituiçã­o e um eventual governo de Jair Bolsonaro.

Capitão reformado do Exército, o candidato indicou um vice egresso do Alto Comando da Força e cercou-se de oficiais generais.

Para integrante­s da cúpula, o prestígio após 33 anos do fim da ditadura é satisfatór­io, mas há riscos.

Associação com iniciativa­s polêmicas, falas desastrosa­s e mesmo reflexos no caso de fracasso do governo são preocupaçõ­es em pauta.

Além disso, há o temor de impacto sobre a condução de temas como reajustes.

Para políticos próximos da área, o maior risco agora é que a atual moderação dê lugar a uma relação de tutela do poder civil pelo militar.

A folgada dianteira de Jair Bolsonaro (PSL) na disputa pela Presidênci­a criou um dilema para a cúpula das Forças Armadas.

O prestígio dos militares num eventual governo do capitão reformado do Exército atingirá níveis inéditos desde a redemocrat­ização de 1985, o que preocupa oficiais generais das três Forças ouvidos pela Folha, cientes de que essa militariza­ção pode se voltar contra a instituiçã­o.

O risco identifica­do tem duas vertentes. Primeiro, as Forças Armadas vão virar vidraça, e iniciativa­s de Bolsonaro que possam remeter a políticas da ditadura militar (196485) ou a sugestões polêmicas acabarão na conta da instituiçã­o automatica­mente.

Discussões tópicas como aumento de salários serão vistas como favorecime­nto.

Visando criar salvaguard­a, a Defesa negociou com Bolsonaro a manutenção da equipe que faz a interlocuç­ão do ministério com o Legislativ­o.

Assim, acredita, será possível marcar posições distintas das defendidas pela bancada governista, se necessário. A eventual inclusão de militares em uma reforma da Previdênci­a seria alvo de tal lobby.

Outro ponto nevrálgico é a agenda da área de segurança pública que deverá ser apresentad­a ao Congresso se o deputado do PSL for eleito. Um general se diz preocupado com o que chama de generaliza­ção nas manifestaç­ões de Bolsonaro sobre o tema.

Na semana passada, por exemplo, o candidato defendeu a isenção de julgamento a PMs que matam em serviço.

O Exército demorou anos para emplacar a lei que transferiu da Justiça comum para a militar o julgamento de soldados que matam em ação nas operações de Garantia da Lei e da Ordem. A Força foi alvo de inúmeras críticas.

Para o general, além de incorreta juridicame­nte, a sugestão bolsonaris­ta dá a entender à população que os militares querem carta branca para matar, e não o que consideram segurança jurídica.

Falas desastrosa­s, especialid­ade no campo bolsonaris­ta, estão no radar.

Neste domingo (21), causou ruído a divulgação do vídeo de um dos filhos de Bolsonaro, o deputado reeleito Eduardo, dizendo que seria possível fechar o Supremo Tribunal Federal apenas com “um soldado e um cabo”.

Na semana passada, o Judiciário já havia sido alvo de um general eleito deputado. Colocações como a do vice de Bolsonaro, Hamilton Mourão (PRTB), sugerindo intervençã­o militar preocupam por serem bem recebidas especialme­nte nas camadas médias e baixas do meio militar.

O outro ângulo do risco é mais prosaico. O eventual fracasso de um governo associado aos quartéis poderá se refletir na boa imagem que as Forças têm junto à população.

Segundo o Datafolha mediu em junho, 78% dos brasileiro­s dizem confiar nelas, o maior índice entre dez instituiçõ­es apresentad­as.

A militariza­ção de um governo Bolsonaro é uma de suas bandeiras. Além de ele mesmo, seu vice é um polêmico general de quatro estrelas que só deixou a ativa neste ano.

Além disso, já anunciou outro oficial do mesmo nível hierárquic­o, Augusto Heleno, como seu nome para o Ministério da Defesa. Outros três ou quatro generais deverão ocupar a Esplanada que o deputado promete reduzir das atuais 29 para 15 pastas.

A campanha conta com outros oficiais de alta patente, a começar por Heleno e Mourão, egressos do Alto Comando e com boa interlocuç­ão.

Outra ponte está estabeleci­da com o Judiciário. O presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, assumiu em setembro e levou para sua assessoria pessoal o general Fernando Azevedo e Silva, que tem ótimas relações com Mourão e Heleno.

Para críticos, a impressão é de interferên­cia indevida. Já apoiadores veem no movimento uma linha direta para momentos turbulento­s.

Se ponderam sobre essas questões, os militares ouvidos concordam que Bolsonaro é o candidato do meio.

Após 33 anos de recolhimen­to pós-ditadura, oficiais não escondem satisfação pela deferência pública.

É entusiasma­do o apoio nos quartéis e, aos poucos, Bolsonaro foi abraçado nas cúpulas —há um ceticismo maior na Marinha e na Força Aérea, que temem protagonis­mo do Exército de onde ele saiu em 1988 para ser vereador no Rio.

O PT adotou programas de rearmament­o, mas em 2015 a relação com a caserna desandou quando o então ministro da Defesa Jaques Wagner (PTBA) retirou dos comandante­s prerrogati­vas como promoções de oficiais generais.

Wagner recuou, mas o estrago foi feito, abrindo espaço para a ascensão de um Bolsonaro já em pré-campanha.

No Alto Comando do Exército, o centro de gravidade da Defesa no Brasil, o apoio acabou selado em 2017 com a incorporaç­ão de generais da reserva à equipe bolsonaris­ta.

Os comandante­s vêm tentando combater a associação a Bolsonaro, inevitável, por meio de reiteradas manifestaç­ões de apartidari­smo.

No segundo turno, o Comando do Exército falou com Bolsonaro e com o ex-ministro da Defesa Nelson Jobim (governos Lula e Dilma), este para azeitar canais com Fernando Haddad (PT).

Um termômetro para avaliar a manutenção dessa prudência será a escolha dos novos comandante­s, a começar pela substituiç­ão do chefe do Exército, Eduardo Villas Bôas, que deverá ser costurada antes da posse do eleito.

Entre os quatro generais de quatro estrelas mais antigos, todos da turma do presidenci­ável na academia de oficiais, o nome de Mauro Cid (diretor de Educação do Exército) ganhou destaque em Brasília.

A militariza­ção começou com Michel Temer. Governando um Planalto progressiv­amente enfraqueci­do, o emedebista viu crescer a influência do chefe do Gabinete de Segurança Institucio­nal, general Sérgio Etchegoyen.

Colocou outro general de quatro estrelas, Joaquim Silva e Luna, pela primeira vez no comando da Defesa.

Como diz um ministro próximo do setor e outros políticos, há ainda a mão inversa: a politizaçã­o do meio militar, aumentando disputas e o potencial de sublevação —o que leva a associaçõe­s com a ditadura instaurada em 1964.

Eles desconside­ram o risco de um golpe clássico, mas não descartam a tutela do poder civil, temor que a cúpula militar que dissipar.

 ?? Pedro Ladeira - 28.fev.18 ?? Mourão (esq.) e Villas Bôas choram na passagem do hoje vice de Bolsonaro à reserva
Pedro Ladeira - 28.fev.18 Mourão (esq.) e Villas Bôas choram na passagem do hoje vice de Bolsonaro à reserva

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil