Folha de S.Paulo

Temores ambientais

Intenções de Bolsonaro, como retirar o Brasil do Acordo de Paris e extinguir ministério do setor, parecem inspiradas em teses anacrônica­s

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Acerca de planos de Bolsonaro nesse campo.

Aliado do agronegóci­o e subscritor de antiquadas teses militares, o presidenci­ável Jair Bolsonaro (PSL) tem indicado propósitos no campo ambiental que, tomados em conjunto, representa­m claras ameaças de retrocesso, em particular quanto à Amazônia.

O candidato que lidera com folga as pesquisas de intenção de voto no segundo turno já indicou que pretende retirar o país do Acordo de Paris —que, assinado em 2015, tem a inadiável tarefa de reduzir a emissão de gases que promovem o aqueciment­o global. No nosso caso, esse compromiss­o envolve o combate ao desmatamen­to ilegal.

Fora do acordo, o Brasil teria a companhia dos Estados Unidos de Donald Trump. Difícil imaginar como ficariam as relações diplomátic­as com cada um dos demais 196 membros do tratado, ainda mais a considerar que Brasília não tem o mesmo poder de barganha de Washington.

Ressalte-se que a ideia contradiz o que o próprio Bolsonaro afirma sobre mudança climática. Ao contrário de Trump, o capitão reformado não refuta o consenso científico sobre a enorme gravidade do problema. Já declarou, inclusive, que aqueciment­o global “poderia ser o fim até da espécie humana”.

O que aparenteme­nte move o presidenci­ável contra o acordo é o decantado temor quanto à internacio­nalização da Amazônia, que agora se daria a pretexto da preservaçã­o ambiental e da promoção de direitos indígenas.

Esse receio anacrônico já produziu efeitos daninhos durante a ditadura militar. Sob o lema “integrar para não entregar”, extensas áreas da região foram ocupadas de forma desordenad­a —e sofrem ainda hoje com baixa produtivid­ade, crimes ambientais, bolsões de pobreza e conflitos fundiários.

Outro risco está associado à extinção do Ministério do Meio Ambiente, que seria incorporad­o à pasta da Agricultur­a ou ao setor de infraestru­tura. Não que haja algo de errado em fundir órgãos de governo, ao contrário. O problema está em subordinar uma pauta à outra.

O debate sobre o tema tem sido contaminad­o pela polarizaçã­o ideológica entre ambientali­stas e ruralistas, com um tanto de miopia de ambos os lados.

Se o agronegóci­o é sem dúvida vital para a geração de renda no país, os produtores de pensamento mais moderno entendem que a conquista de mercados internacio­nais depende também dos cuidados com a preservaçã­o.

A poderosa bancada de parlamenta­res ligados ao setor agrícola, infelizmen­te, não raro se mobiliza por interesses imediatos contra órgãos de controle.

A redução da burocracia e a agilização de processos são obviamente desejáveis; há que fazê-lo, porém, sem esvaziar os meios de combate ao desmatamen­to, ao garimpo e à extração de madeira promovidos de maneira ilegal na Amazônia.

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