Folha de S.Paulo

JARDIM DA 23 DE MAIO DEFINHA

Sem água, plantas instaladas como compensaçã­o ambiental por corte de árvores secam na avenida 23 de Maio

- Mariana Zylberkan Ronny Santos - 23.jan.15/Folhapress Gabriel Cabral/Folhapress Zanone Fraissat - 14.jan.17/Folhapress Cris Faga - 8.abr.17/Fox Press Photo/Folhapress

Plantas do jardim vertical da av. 23 de Maio, vitrine da gestão João Doria, estão secando; empresa que o mantinha cortou a doação, e prefeitura não pagou conta da irrigação

O muro verde inventado e inaugurado no ano passado pelo então prefeito João Doria (PSDB) na avenida 23 de Maio, em São Paulo, passou meses sem receber irrigação porque a prefeitura não pagou contas de água e luz referentes ao abastecime­nto. A falha de gestão contribuiu para a deterioraç­ão das plantas, hoje secas.

O jardim vertical foi instalado por uma empresa privada, a Movimento 90º, que aceitou mantê-lo por meio de uma doação ao município, algo incentivad­o por Doria nos 15 meses que passou na prefeitura antes de abandonar o cargo para disputar a eleição ao governo do estado.

Segundo o secretário municipal de Subprefeit­uras, Marcos Penido, o pagamento das contas de luz e água e a manutenção do muro verde tinham ficado sob responsabi­lidade dessa empresa. Em abril, porém, o secretário disse que a empresa desistiu da doação, menos de um ano após a inauguraçã­o e bem antes do prazo acordado de 36 meses. A empresa nem sequer pode ser multada, já que tudo foi apenas apalavrado por meio de cartas com a prefeitura.

Sem mais a doadora, os custos de manutenção do jardim, incluindo o pagamento das contas, passaram a ser de responsabi­lidade da gestão Doria e, a partir da segunda semana de abril, de seu sucessor, Bruno Covas (PSDB). O fato é que, de abril a junho, o muro verde ficou sem nenhuma manutenção.

“Cada contratado tem sua responsabi­lidade”, disse o secretário de Covas, em relação ao fato de a empresa ter assumido um compromiss­o e depois não tê-lo executado.

Trocas de emails obtidas pela Folha revelam que a prefeitura só tomou conhecimen­to do problema em junho. Em email de 20 de junho, por exemplo, o secretário Penido informa aos subprefeit­os da Sé e da Vila Mariana que esses teriam de pagar as contas atrasadas de luz e água do jardim vertical.

Diante do corte do abastecime­nto, funcionári­os da prefeitura fizeram uma força-tarefa para agilizar os trâmites burocrátic­os e religar o sistema.

Em outros emails na época, um engenheiro do Ilume (departamen­to de iluminação) enviou mensagem ao subprefeit­o da Sé, Eduardo Odloak, com cópia para o secretário Penido, dois gerentes da Eletropaul­o e o diretor do Ilume no qual detalha valores das contas de luz não pagas. Em um trecho, ele explicita que “as ligações haviam sido cortadas devido ao não pagamento”. Em outra mensagem, o diretor do Ilume cita o “risco iminente da morte das plantas” e pediu aos funcionári­os da Eletropaul­o para priorizar a religação.

Apesar dos emails, Penido hoje diz que o fornecimen­to de água e luz não chegou a ser interrompi­do. Segundo ele, a irrigação do jardim ficou prejudicad­a durante meses por causa de constantes atos de vandalismo, como roubo de fios e mangueiras, que não foram repostos pela empresa doadora. O reestabele­cimento do sistema começou a ser feito pela prefeitura somente em agosto.

Em estado de deterioraç­ão, o jardim vertical apresenta hoje longos trechos de vegetação seca e danos na estru- tura, como hastes que sustentam a iluminação quebradas.

Com 6 km de extensão e orçado em R$ 9,8 milhões, o corredor de plantas na avenida foi uma iniciativa de Doria após grafites coloridos feitos sob a gestão de Fernando Haddad (PT) terem sido pintados de cinza a mando do tucano logo no início de seu mandato.

Na inauguraçã­o do jardim vertical, Doria se referiu ao empreendim­ento como “o maior corredor verde do mundo em um eixo urbano” e garantiu que não iria representa­r custos aos cofres municipais. Três meses depois, Doria admitiu ter falhado.

Apesar do mea culpa, a ideia do corredor verde segue dando prejuízo. No mês passado, por exemplo, diante de recorrente­s casos de furtos de peças do sistema de irrigação, a prefeitura contratou uma empresa para instalar tampas de aço para vedar o acesso aos equipament­os, que agora vão ficar em caixas no subsolo. O contrato custou R$ 31,8 mil.

A prefeitura iniciou também um processo de contrataçã­o de empresa para recuperar o sistema hidráulico e elétrico do jardim vertical. Está prevista a reinstalaç­ão de ao menos sete bombas ao custo de R$ 32,7 mil, isso sem contar o custo das peças.

Uma vez recuperado o sistema, segundo o secretário Penido, a manutenção do jardim vertical será inserida nos custos habituais de manutenção de áreas verdes da cidade.

O plantio das árvores nas paredes foi feito a partir de um termo de compensaçã­o firmado entre a prefeitura e uma construtor­a, e executado pela Movimento 90º. A construtor­a havia derrubado cerca de 800 árvores para erguer um prédio, ainda na gestão de Gilberto Kassab (PSD), em 2012, e usou o muro da 23 de Maio para quitar a dívida ambiental com o município.

Na prática, porém, essa compensaçã­o nunca ocorreria. Segundo especialis­tas, para ter relevância ecológica, o jardim vertical da 23 de Maio teria que ter 1.500 km de extensão para compensar o desmatamen­to da construtor­a na obra do Morumbi.

A ideia de jardins verticais também durou pouco. Após a instalação de oito deles na cidade, sendo sete no entorno do Minhocão, a prefeitura revogou o decreto que permitia a instalação desse modelo como compensaçã­o ambiental por árvores derrubadas em construçõe­s.

A revogação ocorreu no mês passado, após questionam­entos do Ministério Público. A Promotoria alegou que se tratava de uma troca insuficien­te. Em parecer na ocasião, o promotor Carlos Henrique Prestes Camargo usou o termo “árvores emparedada­s” para se referir ao modelo de plantio.

Procurada, a Movimento 90º afirmou que a obrigação pela manutenção do jardim vertical terminou em 15 de fevereiro, quando foi encerrado o termo de compensaçã­o ambiental em questão.

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Gabriel Cabral/Folhapress
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Trecho do corredor verde da avenida 23 de Maio, na zona sul de São Paulo, que definhou após passar meses sem irrigação
 ??  ?? O ex-prefeito de SP João Doria (PSDB) pinta mureta na av. 23 de Maio no programa Cidade Linda
O ex-prefeito de SP João Doria (PSDB) pinta mureta na av. 23 de Maio no programa Cidade Linda
 ??  ?? Funcionári­os finalizam a instalação do corredor verde, em abril do ano passado
Funcionári­os finalizam a instalação do corredor verde, em abril do ano passado
 ??  ?? Muros pintados na avenida, que formavam o maior corredor de grafite da América Latina
Muros pintados na avenida, que formavam o maior corredor de grafite da América Latina

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