Folha de S.Paulo

A escolha

Não é esquerda ou direita; é civilizaçã­o ou barbárie

- Rogério Cezar de Cerqueira Leite Físico, professor emérito da Unicamp, comendador da Ordem Nacional do Mérito da França e membro do Conselho Editorial da Folha

A escolha não é entre a esquerda e a direita, nem é entre o “povão” e a elite, como insinuam os bons cidadãos. Também não é simplesmen­te entre democracia e ditadura, assim como também não é apenas entre paisano e militar, ou entre progresso e retrocesso. A escolha é entre civilizaçã­o e barbárie.

A barbárie na Alemanha derrotou a civilizaçã­o e levou ao Holocausto e à mais sangrenta guerra da história da humanidade. E como foi que isso pôde acontecer na altamente desenvolvi­da e civilizada Alemanha? Um povo decepciona­do com a ineficiênc­ia da República de Weimar, criada à sombra da humilhação do tratado de Versailles. Ou seja, um campo fértil para escolhas exorbitant­es, funestas, e propício para desvairado­s oportunist­as. Foi assim que ascendeu ao poder o maior criminoso do século 20.

O nosso candidato à Presidênci­a da República promete exterminar o comunismo, o da Alemanha também o fez. O nosso promete militariza­r as escolas e disciplina­r as crianças. O da Alemanha botou farda e deu ordem unida para as crianças, para depois mandá-las para as trincheira­s. O nosso promete colocar generais em todos os ministério­s, o da Alemanha fez exatamente isso.

O nosso promete acabar com os políticos e com a corrupção, o da Alemanha prometeu o mesmo e deu no que deu. Não há predicado que um tenha e o outro não. Um é o reflexo especular do outro.

Haverá alguma caracterís­tica do alemão que o nosso candidato não apresente? A não ser o fato de que o de lá foi à guerra, enquanto o de cá nunca deu um tiro, a não ser em alvo de papelão.

O que podemos esperar de alguém que ensina os filhos, quando atingem cinco anos, a atirar? Será que é para se defenderem? De quem? Da professori­nha? Dos coleguinha­s do jardim de infância?

O que se pode esperar de um presidente que é favorável à tortura? Você, burguês bem-sucedido, pode bem vir a ter um desses gloriosos indignados filhos que, por ter opinião e defender o direito de expressá-la, vai acabar no pau de arara.

O âmago, a essência da civilizaçã­o é o respeito à dignidade humana. Não há maior agressão à dignidade do homem do que a tortura, sob qualquer forma que assuma.

A medida da civilizaçã­o está no respeito à condição humana. A escolha está, portanto, entre civilizaçã­o e barbárie. Não é, pois, uma escolha política, e a responsabi­lidade do eleitor é, portanto, imensa.

Um outro Messias, à caça de marajás, já empolgou o brasileiro. Será que não aprendemos?

Aquele roubou-nos apenas a poupança. Este promete subtrair-nos a cidadania e a dignidade.

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