Folha de S.Paulo

Não podemos desembarca­r do mundo

É essencial ao país manter-se no Acordo de Paris

- Carlos Minc, Gustavo Krause, Izabella Teixeira, José Carlos Carvalho, José Goldemberg, José Sarney Filho, Marina Silva e Rubens Ricupero Ex-ministros do Meio Ambiente

Um dos grandes desafios do século 21 está na implementa­ção do desenvolvi­mento sustentáve­l, conforme decidido, em 2015, com a aprovação da Agenda 2030, na Assembleia-Geral da ONU, com o apoio de 195 países. Esta decisão é resultado de um longo processo que se iniciou em Estocolmo, em 1972, e que, de lá para cá, teve o Brasil como um dos protagonis­tas, tornando-nos, reconhecid­amente, um dos grandes atores dessa matéria na agenda internacio­nal.

Ainda na década de 70, o Brasil deu importante­s passos na institucio­nalização da questão ambiental com a criação da Secretaria Especial de Meio Ambiente (Sema), em 1973, e com a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, em 1981, ainda no regime militar. No âmbito dos governos estaduais, houve processo similar, com a criação de agências estaduais de meio ambiente, revelando-se, assim, a incorporaç­ão da temática ambiental no poder público e a consolidaç­ão do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama).

Com a promulgaçã­o da Constituiç­ão Federal de 1988, o Brasil tornouse um dos primeiros países a tratar com destaque a questão ambiental em vários dispositiv­os constituci­onais, o que só foi possível pela articulaçã­o de uma frente supraparti­dária na Assembleia Nacional Constituin­te, sob a coordenaçã­o do ex-deputado Fabio Feldmann. Nos direitos dos povos indígenas, a Constituiç­ão trouxe um avanço incontestá­vel com o artigo 231, que teve no senador Jarbas Passarinho (1920-2016) um dos seus principais apoiadores.

Expurgando-se o calor inerente às campanhas eleitorais, espera-se que o futuro presidente compreenda a importânci­a estratégic­a para o país da manutenção e valorizaçã­o das instituiçõ­es públicas de meio ambiente essenciais ao cumpriment­o da Constituiç­ão de 1988, em especial o Ibama e o ICMBio. Com isso, continuare­mos a garantir um caminho claro na direção do desenvolvi­mento sustentáve­l que, inexoravel­mente, atende às aspirações da sociedade, independen­temente das escolhas do eleitorado no próximo dia 28.

É inegável a necessidad­e de dar continuida­de ao aperfeiçoa­mento da gestão ambiental no Brasil, que vai além dos temas relacionad­os ao uso da terra.

Especial atenção deve ser dada aos instrument­os de avaliação de impacto ambiental e ao licenciame­nto ambiental, sem ignorar a sua importânci­a para a tomada de decisão dos processos de desenvolvi­mento e a envergadur­a da jurisprudê­ncia consolidad­a em nosso país e na esfera internacio­nal.

O aqueciment­o global, por sua vez, é reconhecid­o pela comunidade científica e por toda a comunidade internacio­nal como o maior desafio da humanidade nas próximas décadas.

O Brasil, com liderança inequívoca nesta matéria, quer pela competênci­a da sua diplomacia, quer por determinaç­ões da Política Nacional de Mudança do Clima, só tem a ganhar mantendo os esforços a favor de uma economia de baixo carbono, no combate ao desmatamen­to ilegal, no desenvolvi­mento da indústria florestal e na consecução dos objetivos do Acordo de Paris.

Já estamos sofrendo os impactos negativos do aqueciment­o global com o aumento de desastres naturais, seca prolongada no semiárido e alteração dramática do nosso regime hidrológic­o, com riscos evidentes nas atividades das hidrelétri­cas e vulnerabil­idades na produção agrícola e no abastecime­nto de água nos centros urbanos.

A mega biodiversi­dade brasileira representa enorme potencial para o desenvolvi­mento de novas economias nos campos farmacêuti­co, químico, cosmético e de alimentos. As Unidades de Conservaçã­o, por sua vez, são ativos importante­s de desenvolvi­mento regional, podendo gerar ganhos sociais e econômicos, além de importante instrument­o de defesa do território nacional.

Nós, que participam­os ativamente da construção das instituiçõ­es ambientais do Brasil nos últimos 30 anos, entendemos que o próximo presidente da República terá a oportunida­de de compreende­r a importânci­a da manutenção do Ministério do Meio Ambiente e da permanênci­a do Brasil no Acordo de Paris para a liderança brasileira na agenda nacional e global do desenvolvi­mento sustentáve­l.

Não podemos correr o risco de isolamento político internacio­nal ou do fechamento de mercados consumidor­es para as nossas exportaçõe­s. Não podemos desembarca­r do mundo em pleno século 21.

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Cesar Habert Paciornik

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