Folha de S.Paulo

Renovação versus Conservado­rismo

Percentual de novatos no Congresso é de 22,8%, menor que os 50% propalados

- Bruno Carazza doutor em direito e mestre em economia, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagen­s do sistema político brasileiro” e do blog “O E$pírito das Leis”

Analisando com maior profundida­de os dados, é possível concluir que a renovação do Congresso foi bem menor e sua natureza é bastante conservado­ra.

Na Ilustríssi­ma do último dia 14 eu procurei demonstrar que a tão falada renovação do Congresso Nacional teria sido muito maior se as regras eleitorais, em especial a distribuiç­ão do fundo eleitoral, não tivessem sido desenhadas para manter o status quo de nossa elite política.

Na última semana a cientista política Simone Diniz, professora da Universida­de Federal de São Carlos, me chamou a atenção para um outro aspecto dessa dinâmica.

Em evento realizado pela RAPS (Rede de Ação Política pela Sustentabi­lidade) e pela Fundação Fernando Henrique Cardoso, ela argumentou que, pesquisand­o a história pregressa dos novos parlamenta­res eleitos, a tal “renovação recorde” perde muito da sua força.

A explicação está no fato de que muitos desses “novatos” já haviam exercido mandatos eletivos anteriorme­nte. Não são, portanto, neófitos na política nacional.

Seguindo a trilha indicada por Simone, constatei que, dos 513 futuros deputados federais, 251 exerceram mandato na atual legislatur­a.

Além deles, foram alçados à Câmara dos Deputados 68 deputados estaduais ou distritais, 28 vereadores, 3 vice-governador­es, 4 vice-prefeitos e até 3 senadores (Aécio Neves, Gleisi Hoffmann e Lídice da Mata) —todos exercendo seus mandatos. Haverá ainda 39 deputados que, embora não estejam exercendo mandato atualmente, foram eleitos para algum cargo público nos últimos 30 anos.

Isso quer dizer que, ao todo, apenas 117 futuros deputados federais podem ser considerad­os novatos. A taxa real de renovação, portanto, é de 22,8% —um número bem menor do que a propalada renovação de quase 50% do parlamento.

Se um maior número de deputados com experiênci­a prévia no Executivo ou no Legislativ­o levará a um melhor exercício do mandato ou à repetição das velhas práticas da nossa política, só o tempo dirá. Mas podemos especular a partir da análise do perfil desses dois grupos.

Entre os 117 parlamenta­res novatos, 38 vêm do partido de Bolsonaro (PSL), 7 do PRB e 7 do Novo —os 3 partidos líderes dessa renovação. A onda de votação do capitão reformado levou à Câmara 20 militares ou ex-militares que nunca ocuparam um cargo eletivo antes.

E numa eleição onde dizem que o dinheiro deixou de importar, 45 dos novos parlamenta­res declararam ao TSE possuir patrimônio superior a R$ 1 milhão. São indícios, portanto, de que teremos um parlamento mais conservado­r vindo aí.

Por outro lado, levando em consideraç­ão os deputados que conseguira­m se reeleger, sua atuação parlamenta­r nos oferece outras pistas sobre os desafios para o próximo governo, seja ele qual for.

Comecemos pela urgentíssi­ma reforma da Previdênci­a. Entre os deputados reeleitos, 108 deles são membros da Frente Parlamenta­r Mista em Defesa da Previdênci­a Social. Somando a eles mais 17 signatário­s da Frente em Defesa do Serviço Público, o novo presidente contará, de saída, com um quarto da nova Câmara já posicionad­a em defesa dos interesses corporativ­istas do serviço público e contra uma mudança abrangente nas regras previdenci­árias.

Em relação a valores morais e à postura em relação ao combate à criminalid­ade, as frentes parlamenta­res de Segurança Pública, em Defesa da Vida e da Família, Evangélica e Católica contam com 164 parlamenta­res reeleitos, o que contrasta fortemente com os 86 da bancada em defesa dos direitos humanos.

Caso Bolsonaro seja eleito, suas propostas nessa área parecem contar com uma ampla avenida rumo à aprovação.

Em relação ao meio ambiente, a bancada ruralista reelegeu 80 deputados, enquanto a ambientali­sta fez apenas 49 membros. Levando em conta que o candidato líder das pesquisas pretende fundir os dois assuntos num mesmo ministério, a ser destinado a um líder do agronegóci­o, esses números indicam o rumo que as políticas públicas podem tomar nesse campo.

Analisando com maior profundida­de os dados, portanto, podemos verificar que a principal marca do novo Congresso não é a renovação, mas sim o conservado­rismo. É com essa realidade que teremos que lidar nos próximos quatro anos.

Numa eleição onde dizem que o dinheiro deixou de importar, 45 dos novos parlamenta­res declararam ao TSE possuir patrimônio superior a R$ 1 milhão

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