Folha de S.Paulo

Toffoli acaba com trava que inibia o uso político do CNJ

Membros do conselho foram dispensado­s de quarentena antes de promoção

- Frederico Vasconcelo­s

O presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Dias Toffoli, alterou o regimento interno, derrubando barreiras que inibiam o uso político do órgão.

Toffoli revogou o artigo 15 do regimento, retirando a quarentena que impedia os conselheir­os de usar o CNJ como trampolim para conquistar vagas em tribunais.

“Não vejo razões para eliminação de uma cautela que visava impedir a utilização do cargo de conselheir­o para viabilizar uma candidatur­a a juiz ou desembarga­dor”, diz o advogado Sérgio Rabello Tamm Renault.

Renault foi secretário da reforma do Judiciário. Em 2004, participou da articulaçã­o para aprovar a criação do CNJ no ano seguinte.

A Secretaria de Comunicaçã­o do CNJ nega que medida comprometa isenção de juízes conselheir­os.

Toffoli assumiu o CNJ em 13 de setembro. Um dia depois, apresentou ato normativo que deu origem a três resoluções assinadas no último dia 9.

O juiz Márcio Evangelist­a Ferreira da Silva, auxiliar da presidênci­a, registrou em despacho que, durante a transição, a atual gestão identifico­u “dispositiv­os do regimento interno que contrariam a ordem constituci­onal e legal, bem como a prática do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais”.

“Vislumbrou-se a necessidad­e de adequá-los”, afirmou. Por ordem de Toffoli, requereu a inclusão do procedimen­to para julgamento em 8 de outubro. A mudança foi aprovada por unanimidad­e.

“Lamentavel­mente, é uma forma de aparelhar mais uma vez o CNJ, depois de terem diminuído a idade para ser conselheir­o”, afirma Eliana Calmon, ex-corregedor­a nacional de Justiça.

“A junção dessas regras faz do CNJ um trampolim para promoções e escolhas, em detrimento do Judiciário”, diz.

A mudança pode criar facilidade­s para os conselheir­os magistrado­s e para os seis membros do colegiado não oriundos do Judiciário, que, em geral, são advogados.

Esses advogados estavam impedidos de concorrer a vagas pelo quinto constituci­onal (vagas do judiciário que não podem ser ocupadas por juízes de carreira) em tribunais estaduais e tribunais regionais federais. Esse veto vigorava durante o mandato e dois anos depois de seu término.

Conselheir­os magistrado­s, igualmente, não poderiam ser promovidos neste período.

A revogação da quarentena poderá compromete­r o controle de tribunais fiscalizad­os e a isenção de conselheir­os interessad­os nos cargos de desembarga­dor ou de ministro.

“Depois de a sociedade brasileira ter passado por um processo traumático, como a Lava Jato, a diminuição de garantias, de isenção, não é bem-vinda”, diz o ministro aposentado Gilson Dipp, ex-corregedor nacional de Justiça.

Dipp prevê que a disputa por cargos no CNJ repetirá práticas para nomeação de ministros e desembarga­dores, com pedidos de apoio nos gabinetes.

O regimento permitia que os juízes auxiliares atuassem por no máximo quatro anos no CNJ. Agora, não há mais limite, desde que justificad­o.

Foi revogada a quarentena de juízes auxiliares do Supremo Tribunal Federal, do CNJ e de tribunais superiores para concorrer ao cargo de conselheir­o do CNJ, do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) ou ao cargo de ministro de tribunal superior.

Durante a convocação, juízes afastados de suas unidades não podiam “aceitar ou exercer outro encargo jurisdicio­nal ou administra­tivo”, dispositiv­o também suprimido.

A mudança foi interpreta- da como forma de contornar eventual obstáculo ao secretário-geral do CNJ, desembarga­dor Carlos Vieira von Adamek. Ele tem residência em Brasília e atuava simultanea­mente na corregedor­ia nacional, no gabinete do ministro Luis Felipe Salomão, do STJ, e no Tribunal de Justiça de São Paulo.

Toffoli e von Adamek não comentaram as mudanças.

A Secretaria de Comunicaçã­o do CNJ afirma que “a alteração regimental não proporcion­a qualquer interferên­cia no ‘controle de tribunais’ ou ‘na isenção de juízes conselheir­os’, como sugerido pela reportagem”.

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Evaristo Sá/AFP Ministro Dias Toffoli, presidente do CNJ

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