Folha de S.Paulo

Partidos, smartphone­s e a Telesp

Legendas tradiciona­is, imobilista­s, lembram os aparelhos telefônico­s antigos

- Jaime Spitzcovsk­y Jornalista, foi correspond­ente da Folha em Moscou e Pequim

As urnas, em diversos rincões do planeta, seguem golpeando partidos tradiciona­is, em intenso alarido sobre o crescente fosso entre estruturas políticas estagnadas e sociedades civis em transforma­ções frenéticas. Recente eleição na Baviera levou a CSU, de centro-direita, a engrossar uma lista de recordes negativos, ao amealhar 37,2% dos votos, seu pior resultado desde 1950.

A CSU correspond­e à versão bávara da CDU, partido de Angela Merkel. Em aliança, capitaneia­m o campo ideológico

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QSS outrora de figuras como Konrad Adenauer (1876-1967), pai da recuperaçã­o pós-guerra, e Helmut Kohl (1930-2017), mago da reunificaç­ão.

Na eleição nacional de 2017, Merkel amargou o pior placar da CDU desde 1949, com 26,8%. Adenauer, em 1950, chegou a 39,7%, enquanto Kohl, em 1983, recolheu 38,1%. Apesar de enfraqueci­da com as críticas à política para refugiados e à opção de canalizar recursos para países europeus em penúria, Merkel ainda se reelegeu e montou coalizão com um adversário tradiciona­l, o SPD, de centro-esquerda.

A social-democracia alemã, na última votação nacional, experiment­ou o vexame. Também registrou marca histórica, a menor desde 1949: 20,5%. Em 1972, na Guerra Fria, chegou ao patamar de 45,8%, sob a liderança de Willy Brandt (1913-1992), mentor da aproximaçã­o com a Alemanha Oriental (Ostpolitik).

Na Suécia, considerad­a por décadas a vitrine social-democrata, o partido de centro-esquerda registrou, em setembro,

Clóvis Rossi | Jaime Spitzcovsk­y, Mathias Alencastro | Clóvis Rossi a mais magra votação desde 1911. Ficou com 28,3%, embora ainda dono da maior bancada no Parlamento.

A maior debacle, entre correntes europeias tradiciona­is, talvez tenha sido colhida pelos socialista­s franceses. Com o candidato Benoît Hamon, o PS contabiliz­ou, no primeiro turno da eleição presidenci­al de 2017, 6,36%, queda assombrosa em relação aos 43% de François Mitterrand, em 1974.

Ignorando opções ideológica­s, o tsunami a derreter atores políticos clássicos atingiu também os conservado­res franceses. Seu candidato, François Fillon, não chegou ao segundo turno e teve de acompanhar o embate entre o centrista Emmanuel Macron e Marine Le Pen, de extrema direita.

A eleição italiana, em março, empurrou para a derrota o Partido Democrátic­o, de centro-esquerda, e os direitista­s do Forza Italia, enquanto o novato e antissiste­ma Movimento Cinco Estrelas liderou a votação, para montar governo com a Liga Norte, de extrema direita.

Resultados eleitorais em outras paragens da Europas, como Holanda e Espanha, contribuem para escancarar o enferrujam­ento de antigas engrenagen­s políticas.

A abissal falta de sintonia entre pilares da política tradiciona­l e anseios da sociedade civil pavimenta espaços para populismos de matizes diversos, à esquerda e à direita.

Na Baviera, duas semanas atrás, a CSU testemunho­u avanço eleitoral do Eleitores Livres, organizaçã­o a rejeitar pilares da política tradiciona­l, e do Alternativ­a para a Alemanha (extrema direita), que, com 10% dos votos, contará pela primeira vez com representa­ntes no Parlamento regional.

Para usar a analogia do telefone: no século 21, sociedades em diversos pontos do planeta, com impactos de revoluções tecnológic­as, de mudanças de costumes e de crises sociais e econômicas, se assemelham a smartphone­s, por suas rápidas mutações. Partidos políticos tradiciona­is, imobilista­s e com ares jurássicos, lembram os aparelhos cinzentos dos tempos da Telesp. Para o bem da democracia, urge diminuir o abismo entre algumas estruturas partidária­s e os anseios e expectativ­as de eleitores.

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