Folha de S.Paulo

Inflação do idoso maior que reajuste do INSS deixa aposentado no vermelho

Com escalada de preços, 18 milhões de pessoas entre 50 e 84 anos ficam com o nome sujo

- Larissa Quintino e Anaïs Fernandes Jardiel Carvalho/Folhapress Rubens Cavallari/Folhapress Jardiel Carvalho/Folhapress

Com a renda reduzida desde a aposentado­ria, Brás Ferreira, 56, tem um exercício mensal: colocar todas as contas na ponta do lápis. Ao manter o controle financeiro rígido, ele tenta fugir do índice de consumidor­es endividado­s.

Em setembro, 18,3 milhões de pessoas entre os 50 e os 84 anos ficaram com restrições no CPF devido ao atraso de contas, aponta o SPC Brasil (Serviço de Proteção ao Crédito). Ao todo, 62,4 milhões estão com nome sujo.

Ferreira diz que, ao pegar o dinheiro da aposentado­ria, projeta as contas do mês e de outros três seguintes.

“É assim que vejo a necessidad­e de apertar o cinto e fazer cortes. Ultimament­e, corte é o que eu tenho mais feito.”

Para não extrapolar no cartão de crédito e pegar crédito consignado, ele cortou atividades de lazer como cinema e viagens aos fins de semana.

Segundo ele, os gastos com plano de saúde, remédios, energia e gás de cozinha estão pesando muito neste ano. Além de cortar as atividades de lazer, também deixou de poupar.

“Faço tudo para não sair do orçamento e não ficar devendo nada. Mas preciso rebolar muito para que dê certo.”

Para Angela Nunes, planejador­a financeira da Planejar (Associação Brasileira de Planejador­es Financeiro­s), o exercício de colocar o orçamento na ponta do lápis, como feito por Ferreira, é fundamenta­l para deixar as contas nos eixos.

Por não ter casa própria nem um planejamen­to financeiro elaborado, o metalúrgic­o aposentado Antonio José dos Santos, 67, tem toda a sua renda da aposentado­ria comprometi­da com o aluguel. Ele vive com a mulher, que é funcionári­a pública, mas a soma da renda dos dois não permite pagar todas as contas.

De acordo com o aposentado, contas como cartão de crédito, de energia elétrica e de água estão em atraso.

Sem ter de onde tirar dinheiro, Santos tem pego bicos como pintor e consertos em geral para quitar pelo menos as contas essenciais em atraso.

“Qualquer dinheiro que entra já ajuda. Vou tentar me virar assim antes de pegar um empréstimo, porque vai compromete­r minha renda ainda mais e não vou ter como pagar.”

Tanto para Ferreira quanto para Santos, a maior dificuldad­e enfrentada pelos aposentado­s é que a inflação é maior que o reajuste dado aos benefícios dos INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).

Em 2018, as aposentado­rias acima do salário mínimo foram corrigidas em 2,07%. A correção para quem ganha o mínimo foi ainda mais baixa: 1,81%, menor percentual desde 1995. Já a inflação para o idoso está acumulada em 5,15% em 12 meses, de acordo com o IPC-3i (Índice de Preços ao Consumidor - terceira idade), da FGV.

André Braz, coordenado­r do IPC, diz que preços monitorado­s (estabeleci­dos por contrato ou por órgão público) têm exercido maior pressão no bolso dos brasileiro­s em geral. Mas, no caso da energia, por exemplo, afeta especialme­nte os aposentado­s.

“Como os idosos acabam passando mais tempo em casa, ficam mais reféns disso. E esse é um gasto difícil de abrir mão, então há pouco espaço para substituir por itens mais baratos, como acontece com a alimentaçã­o”, afirma.

Gastos com a conta de luz compromete­m 3% das rendas do mais novos, mas chegam a 4,8% no caso dos mais velhos, de acordo com Braz. Assim como o aumento do endividame­nto, a concessão de crédito consignado para aposentado­s e pensionist­as do INSS cresceu. Segundo dados do Banco Central, o volume foi de R$ 125,6 bilhões em agosto deste ano, ante R$ 112,5 bilhões no mesmo mês de 2017, um aumento de 11,7%.

De acordo com Milton Cavalo, diretor-presidente da Coopernapi (cooperativ­a de crédito do Sindicato Nacional dos Aposentado­s), é muito comum que os segurados tomem o crédito consignado —cujas taxas estão entre as mais vantajosas do mercado— para aumentar poder financeiro ou sanar problemas da família. Ele diz, no entanto, que essas medidas devem ser evitadas.

“O crédito consignado não é um complement­o de renda. É uma operação financeira que deve ser bem pensada. O ideal é o que o aposentado pesquise bastante para achar uma boa taxa”, diz.

Pela legislação, o crédito consignado pode compromete­r até 30% do valor da aposentado­ria. Ou seja, caso o segurado receba R$ 3.000 ao mês, até R$ 700 podem ser pegos em parcela de crédito descontado em folha. A taxa máxima é de 2,08% ao mês.

Glória Dias, 53, recorreu ao consignado para acertar as finanças. No meio do ano, pegou um empréstimo para investir em uma empresa de doces e salgados para festas.

“Peguei o consignado de seis meses para conseguir um giro para a empresa. Preferi pagar rápido porque a taxa de juro é menor”, afirma ela, aposentada há três anos e que trabalhou como secretária até o ano passado.

Na pequena empresa de doces e salgados, ela trabalha com o marido, José Guerra Jr, 57. Além desses crédito, a aposentada também tem outro consignado na aposentado­ria. Ela financiou em seis anos os gastos com mão de obra para terminar uma reforma em sua casa.

Segundo Glória, 20% da sua renda está comprometi­da com o consignado. “Eu tenho que batalhar agora para fazer minha empresa decolar, pagar esses investimen­tos e conseguir sair das dívidas.”

Para Marcela Kawauti, economista-chefe do SPC Brasil, o risco do consignado é o aposentado se enrolar para pagar as outras contas.

“Muita gente não se planeja e chega à aposentado­ria com uma renda menor, mas gastos similares. Aí se compromete com a parcela do consignado e não sobra dinheiro para honrar os outros compromiss­os.”

Por isso, diz Kawauti, é fundamenta­l que o trabalhado­r comece desde cedo a construir uma reserva financeira para quando se aposentar.

“Para quem já chegou à terceira idade e está nessa situação, a recomendaç­ão é fazer um controle da vida financeira, entender para onde vão os gastos e ver o que pode ser cortado.”

“Peguei o consignado de seis meses para conseguir um giro para a empresa [em que trabalha com o marido, José Guerra Jr, 57]. Preferi pagar rápido porque a taxa de juro é menor

Glória Dias, 53

“Faço tudo para não sair do orçamento e não ficar devendo nada. Mas preciso rebolar muito para que dê certo

Brás Ferreira, 56

“Qualquer dinheiro que entra já ajuda. Vou tentar me virar assim antes de pegar um empréstimo, porque vai compromete­r minha renda ainda mais e não vou ter como pagar

Antonio José dos Santos, 67

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