Folha de S.Paulo

Próximo presidente terá ‘cheque’ de R$ 258 bi para cumprir regra de ouro

Aval do Congresso permitirá empréstimo para pagar despesas em 2019 e evitar desrespeit­o a lei

- Julio Wiziack e Mariana Carneiro

O próximo presidente receberá um “cheque” de R$ 258 bilhões, na avaliação da equipe econômica do presidente Michel Temer, que poderá ser usado mesmo sem necessidad­e.

Trata-se do aval do Congresso para que o governo tome emprestado essa quantia no mercado financeiro e, com isso, cubra a diferença que falta para cumprir a regra de ouro.

A norma constituci­onal proíbe o governo de pagar despesas do dia a dia com dinheiro de operações de crédito. Mas, em meio ao ajuste fiscal, a previsão é que isso ocorra em 2019. Dessa maneira, o governo não teve outra opção senão pedir autorizaçã­o ao Parlamento.

Na avaliação da equipe econômica de Temer, a necessidad­e real para cumprir a regra de ouro ficou menor do que R$ 258 bilhões, como consta da proposta orçamentár­ia enviada ao Congresso em agosto.

Ainda assim, a interpreta­ção da área técnica é que o novo presidente poderá pedir autorizaçã­o para usar o valor total e operar com folga em 2019.

A entrada de receitas extras reduziu a necessidad­e real para cerca de R$ 90 bilhões, segundo estimativa­s do Tesouro Nacional. Essas receitas vêm da previsão de novos pagamentos do BNDES e de um lucro maior do que o esperado do Banco Central no primeiro semestre deste ano. O resultado, que deriva da alta do dólar sobre as reservas internacio­nais em poder do BC, soma R$ 169 bilhões, e boa parte (cerca de R$ 150 bilhões) será poupada para ser usada no ano que vem.

A equipe econômica também colocou na conta R$ 25 bilhões que virão do BNDES, como pagamento antecipado de dívidas com o Tesouro que só começariam a vencer em 2040.

Se a interpreta­ção atual prevalecer, o novo presidente terá uma margem bem maior do que o necessário para emitir dívida com a autorizaçã­o do Congresso.

Isso não significa que o novo governo poderá gastar mais, afirmam especialis­tas, pois o avanço das despesas é travado por outra regra fiscal, o teto de gastos. Mas poderia ter impacto na gestão da dívida pública, ou aumentando o endividame­nto ou permitindo a possibilid­ade de uma troca de dívida antiga por nova.

A decisão caberá à nova equipe econômica, que terá que formalizar o pedido de autorizaçã­o de cobertura para a regra de ouro no ano que vem.

Especialis­tas da Câmara dos Deputados divergem da interpreta­ção. Segundo Ricardo Volpe, diretor da Consultori­a de Orçamento e Fiscalizaç­ão Financeira, no momento da execução orçamentár­ia, os cálculos serão refeitos e a autorizaçã­o do Congresso para a emissão de títulos públicos vai acompanhar a necessidad­e efetiva.

“Poderia ser de até R$ 258 bilhões”, disse Volpe. “Mas já houve receitas não previstas, como os recursos vindos do Banco Central e do BNDES. Não tem como ser de R$ 258 bilhões.”

No Orçamento, os recursos que terão como fonte a emissão de títulos formarão uma reserva em separado, uma espécie de conta-corrente especial.

Segundo ele, um artigo da lei orçamentár­ia foi revisto para que os valores dessa conta especial fossem abatidos de receitas não previstas.

Ou seja, a cifra de R$ 258 bilhões vai sendo reduzida na mesma proporção da entrada de novos recursos, como já ocorreu, segundo ele, com a incorporaç­ão de parte do lucro do BC neste ano.

“Se na data-limite [para a execução do Orçamento] ainda faltarem recursos, esse será o valor a ser autorizado pelo para a emissão de títulos.”

Para os técnicos do governo, a divergênci­a ocorre em razão da novidade do tema —é a primeira vez que será necessário o governo pedir autorizaçã­o ao Congresso para cumprir a regra de ouro, cuja quebra é enquadrada em crime de responsabi­lidade fiscal, o mesmo que levou a ex-presidente Dilma Rousseff ao impeachmen­t.

A única certeza que se firmou nas últimas semanas entre especialis­tas é que o novo presidente não terá, entre os problemas na área fiscal, a pressão da regra de ouro em 2019.

Segundo o economista Gabriel Leal de Barros, da IFI (Instituiçã­o Fiscal Independen­te), além do lucro do BC e do pagamento do BNDES, os Estados e municípios voltaram a pagar as parcelas da dívidas com a União, o que ajuda no cumpriment­o da regra.

O problema, entretanto, tende a voltar em 2020, pois, prevê ele, o lucro do BC não deverá ser tão relevante e o BNDES não fará pagamentos como em 2018 (quando devolverá R$ 130 bilhões).

“As receitas do BC e do BNDES para a regra de ouro serão menores nos próximos anos, o que dificulta o seu cumpriment­o”, disse Barros. “Se não fizer reformas, o governo terá que rever as regras fiscais.”

“As receitas do Banco Central e do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvi­mento Econômico e Social) para a regra de ouro serão menores nos próximos anos, o que dificulta o seu cumpriment­o. Se não fizer reformas, o governo terá que rever as regras fiscais Gabriel Leal de Barros economista da IFI (Instituiçã­o Fiscal Independen­te)

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