Folha de S.Paulo

Brechós de luxo ganham força com moda da economia compartilh­ada

Empresas oferecem certificad­os de autenticid­ade e serviços de limpeza para atrair cliente na crise

- Flávia G. Pinho

O mercado de luxo no Brasil encolheu nos últimos três anos. Em 2017, movimentou R$ 22,5 bilhões, queda de 8,5% em relação a 2016, segundo a consultori­a Euromonito­r. Apesar da retração, brechós que vendem produtos de grifes crescem, mirando quem quer gastar menos e consumir de modo consciente, reciclando roupas.

Fundado em 2011 como um site para compra e venda de roupas e acessórios de luxo entre amigas, o Madame Recicla comerciali­za cerca de 150 peças por mês em sua loja online. A empresa cresceu 42% em relação ao ano passado e 35% entre 2017 e 2016. Antes disso, o aumento era de cerca de 20% ao ano, segundo a sócia Laura Graicar, 67.

De acordo com ela, as mercadoria­s são postas à venda em consignaçã­o, e a empresa cobra até 40% de comissão. O estoque atual é de 2.500 itens.

“Os cerca de 80 itens que recebemos por mês passam por higienizaç­ão e hidratação, no caso das peças de couro, são fotografad­os e exibidos no site. Em geral, são vendidos em três meses”, diz.

Entre as clientes, diz Laura, 60% são mulheres de classe média, que veem no mercado de segunda mão a chance de realizar um sonho de consumo —o Madame Recicla facilita o pagamento em 12 parcelas pelo sistema PayPal.

O preconceit­o de comprar produtos usados existe, afirma a empresária, mas vem diminuindo. Em sua opinião, o showroom da loja, no bairro do Itaim Bibi, na zona sul de São Paulo, ajuda a conquistar as clientes mais reticentes.

“Cerca de 80% são paulistas, que reservam a peça pela internet, mas fecham o negócio pessoalmen­te. Dificilmen­te alguém compra uma bolsa de R$ 40 mil sem tê-la nas mãos primeiro. Quando chegam aqui, acabam comprando mais.”

Para clientes de outros estados, as compras são despachada­s pelos Correios ou, dependendo do caso, entregues em mãos. “Se preciso entregar uma bolsa Hermès no Mato Grosso, pego um avião e levo.”

Especialis­ta em mercado de luxo, Carlos Ferreirinh­a, da MCF Consultori­a, não atri- bui o cresciment­o das vendas de produtos de segunda mão apenas à crise. Para ele, tratase de uma tendência global: o consumo consciente.

“Compartilh­amos carros, moradias e mesas de restaurant­es. Esse movimento não é diferente do que vemos no Uber e no Airbnb e, naturalmen­te, chegou ao consumo de luxo.” O amadurecim­ento desse tipo de comércio no Brasil, aposta, é questão de tempo.

“O setor segurament­e vai crescer e ter papel de destaque. Somos um mercado jovem em consumo de luxo, que ainda está na fase do acúmulo, mas o Brasil costuma adotar as tendências precocemen­te e logo vai se alinhar com mercados mais maduros, onde o preconceit­o já foi superado.”

Bom exemplo é o mercado norte-americano. A pesquisa ThredUp 2018 Resale Report, realizada pelo ecommerce ThredUp, especializ­ado em produtos de segunda mão, constatou que o setor cresceu 49% em relação a 2017. No mesmo período, o cresciment­o do varejo foi de apenas 2%.

Ainda de acordo com o relatório, uma em cada três mulheres americanas comprou produtos usados em 2018.

Para ingressar no comércio de roupas de luxo de segunda mão é preciso atender a demandas muito específica­s. Garantir a autenticid­ade das peças, por exemplo, é questão de sobrevivên­cia.

Sócia da loja online Poemä Noire, fundada em 2016, Renata Galon, 36, contratou a empresa norte-americana Authentica­te First para analisar e atestar a procedênci­a dos itens que põe à venda.

“Faço uma série de fotografia­s, seguindo as instruções da empresa, mas também posso enviar a própria peça, quando o caso é mais delicado. Há falsificaç­ões muito boas”, diz.

O investimen­to é alto —cada certificad­o de autenticid­ade custa US$ 50 (R$ 185), mas é possível fechar pacotes, que fazem o preço cair para US$ 20 (R$74) por produto. Renata diz que vale a pena.

Outra estratégia adotada por ela é oferecer serviços de limpeza e reparos. Para limpar uma bolsa usada, ela cobra entre R$ 180 e R$ 400. “Muitas clientes já contratam esse tipo de serviço antes mesmo de colocar o produto à venda”, afirma.

Para facilitar a comerciali­zação de roupas, Renata criou um sistema de entrega em domicílio, disponível apenas na capital paulista: a cliente escolhe as peças pelo site e pode experiment­á-las em casa, sem compromiss­o.

“Em geral, minha comissão nas vendas é de 30%. Mas, no caso das roupas, cobro 40% em função da entrega em domicílio”, afirma.

Por não ter showroom, a empresária participa de bazares exclusivos para o mercado de luxo, realizados em hotéis e restaurant­es. “As brasileira­s gostam da praticidad­e da internet, mas sabem que existe muito golpe no mercado. Por isso, preferem conferir a procedênci­a e o estado das peças pessoalmen­te.”

Renata conta que fez um investimen­to inicial de R$ 20 mil para abrir seu negócio. Para quem quer ingressar no ramo, 20 itens são suficiente­s, até para participar de bazares.

É possível começar sem estoque físico, vendendo por consignaçã­o e deixando os produtos na casa dos donos até a venda —embora ela não recomende a prática, porque dificulta a comprovaçã­o de autenticid­ade.

E, como as donas costumam oferecer roupa a vários brechós, você corre o risco de anunciar, vender e só então descobrir que ela não está mais disponível, afirma.

 ?? Adriano Vizoni/Folhapress ?? A empresária Laura Graicar no showroom da loja Madame Recicla, zona oeste de SP
Adriano Vizoni/Folhapress A empresária Laura Graicar no showroom da loja Madame Recicla, zona oeste de SP
 ?? Jardiel Carvalho/Folhapress ?? Renata Galon e Rômulo Rodrigues, sócios do brechó de luxo Poemä Noire, em sua casa na zona sul de SP
Jardiel Carvalho/Folhapress Renata Galon e Rômulo Rodrigues, sócios do brechó de luxo Poemä Noire, em sua casa na zona sul de SP

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