Dona de direitos do Brasileiro tem sede em paraíso fiscal
Firma que levou concorrência sem participar foi vendida para fundo sigiloso
Um fundo de investimentos chamado Futbol Holdings (FanFoot), localizado em um paraíso fiscal, comprou a BR Foot Mídia, empresa que assina os contratos de transmissão internacional do Campeonato Brasileiro, sem ter participado de processo de licitação promovido pela CBF.
A BR Foot Mídia foi criada em julho deste ano, com Caio Cesar Vieira Rocha como acionista. Ele é ex-presidente do STJD indicado ao tribunal pelo ex-presidente da CBF, Marco Polo Del Nero, banido pela Fifa por corrupção.
Já o FanFoot foi criado no mês passado com registro no estado de Delaware, um paraíso fiscal dentro dos EUA. A operação está situada em Lewes, município com cerca de 2.700 habitantes.
Pelos contratos com a CBF, a BR Foot Mídia prometeu pagar R$ 550 milhões pelos direitos do Brasileiro no exterior e pela exploração da publicidade estática válidos para os próximos quatro anos. A confederação leva R$ 55 milhões de comissão.
Nos últimos meses, a CBF se negou a ouvir propostas distintas levadas pelos clubes. Uma das ofertas era do grupo luxemburguês Prudent e alcançava US$ 200 milhões (R$ 800 milhões), mais 50% das receitas, que poderiam chegar a US$ 3 bilhões (R$ 12 bilhões) em 10 anos, segundo as contas da empresa.
O acordo com a BR Foot Mídia não prevê divisão ou distribuição de parte do que for arrecadado. Assim, o lucro da operação ficará com os investidores por trás do fundo em Delaware. O vínculo é válido entre os anos de 2019 e 2022.
O estado de Delaware, onde foi registrada a FanFoot, é conhecido pela rapidez no processo de incorporação e, principalmente, pelo forte sigilo quanto à identidade dos investidores não residentes no local. A Folha tentou verificar quem são os associados por trás da operação —o fundo não revela seus nomes.
No endereço do fundo em Lewes funciona uma pequena casa de madeira, onde estão registradas outras 125 mil empresas. Essas corporações possuem um mesmo agente em comum, a Harvard Business Services, segundo os advogados do Futbol Holdings.
Neste ano, um relatório do Hudson Institute, centro de estudos sediado em Washington, apontou que Delaware afrouxa leis locais para permitir o registro de milhares de companhias anônimas. O autor da pesquisa diz que advogados e consultores empresariais já começaram a apelidar o local de “a nova Suíça”.
Em 2018, uma organização não-governamental chamada Rede de Justiça Fiscal organizou um Índice de Sigilo Financeiro e colocou os EUA em segundo lugar, creditando ao fato de “Delaware ter assumido a liderança em corporações secretas em paraísos fiscais”. Já em 2009, quando o ranking era feito por jurisdições, não só países, o estado foi classificado com o sigilo mais rigoroso do mundo, superando locais conhecidos pelas legislações inflexíveis, como Ilhas Cayman, Luxemburgo, Panamá e Suíça.
Relatório do Departamento de Justiça americano deste ano revelou que empresas de fachada em Delaware foram usadas para diversas operações ilegais, como o desvio de milhões de dólares que deveriam ter sido investidos em ajuda internacional para melhorar a segurança em antigas usinas nucleares soviéticas.
A Transparência Internacional classificou o estado como “um refúgio para delitos transnacionais por facilitar o segredo corporativo extremo”.
De acordo com Edgard Rocha, da comissão especialista do IPLD (Instituto dos Profissionais de Prevenção à Lavagem de Dinheiro), Delaware tem o cenário burocrático ideal para que ilicitudes ocorram.
“Existem várias facilidades para se abrir uma empresa em Delaware. Não quer dizer que necessariamente vai ter lavagem de dinheiro ou evasão fiscal, mas o ambiente é bastante propício. A legislação do estado garante a questão do sigilo de informações”, disse Rocha.
O estado de Delaware tem cerca de 950 mil habitantes, mas abriga mais de um milhão de empresas. Além do sigilo, as companhias são atraídas pela inexistência de impostos sobre vendas, ausência de valor mínimo de capital inicial, não necessidade de comprovação de residência de acionistas e um sistema jurídico considerado próprio para lidar com litígios empresariais.
Segundo especialistas em finanças, após registrar uma empresa em Delaware (o que pode ser feito em apenas três dias) é possível abrir outra companhia em paraísos fiscais fora dos Estados Unidos, onde a operação seria comandada.
Distante cerca de duas horas da capital Washington, Delaware se vende como “a capital corporativa do mundo” e tem registrado mais da metade das 500 maiores empresas listadas pela revista “Fortune”. Nos últimos anos, autoridades americanas revelaram casos de lavagem de dinheiro, comércio de armas e fraudes em empresas do estado.
O Futbol Holdings informou que optou por abrir o fundo no estado pela “facilidade de atrair capital privado e público, sendo comum entre as grandes empresas, especialmente aquelas que têm interesse em fazer grandes transações financeiras, como IPO, que sejam incorporadas, reincorporadas, ou registradas em Delaware. Trata-se também de escolha e recomendação comum de grandes empresas”.
Procurada para comentar as informações, a CBF disse que “a empresa escolhida em um processo conduzido pelos clubes demonstrou todas as condições técnicas e garantias econômicas para o cumprimento do contrato”.