Folha de S.Paulo

Lars von Trier leva o seu cinema punk para o mundo dos assassinos em série

Pedra no sapato dos críticos e alvo de revolta em Cannes, cineasta tem mais três filmes na Mostra

- Ivan Finotti

A Casa que Jack Construiu

The House that Jack Built, 2018. Dir.: Lars von Trier. Elenco: Matt Dillon, Bruno Ganz, Uma Thurman. 18 anos. Mostra: seg. (22), às 20h40, no Espaço Itaú Augusta; qui. (25), às 20h45, no Espaço Itaú Frei Caneca; dom. (28), às 20h45, no CineSesc “Um filme deve ser uma pedra no seu sapato”, disse Lars von Trier certa vez. E ele segue à risca essa máxima. Seu cinema punk parece muitas vezes escarrar na cara dos espectador­es com a mesma violência com que Johnny Rotten cuspia na plateia enquanto cantava à frente dos Sex Pistols.

“A Casa que Jack Construiu” vai nessa linha sem nenhum esforço extra. É a história de um serial killer, afinal. E, nas mãos de Lars von Trier, o que se pode esperar? Controvérs­ia, é claro. Porque o diretor dinamarquê­s quis fazer uma espécie de comédia. Ao mesmo tempo em que exibe explicitam­ente mutilação de mulheres, assassinat­o de crianças e tortura de animais.

O filme acompanha Jack (Matt Dillon) contando a história de seus crimes a Virgílio (Bruno Ganz), que o conduz em uma descida ao inferno. Há cinco meses, na estreia em Cannes, houve uma debandada de mais de cem pessoas da sala de exibição, inclusive repórteres. Quem ficou, entretanto, relatou que ao final o filme foi aplaudido.

As críticas foram negativas em geral e aqui vão algumas das piores frases: “Brutal. Pretensios­o. Vomitivo. Torturante. Patético”; “Filme vil que não deveria ter sido feito”; “Nunca vi nada igual em um festival de cinema, é nojento”.

Desde que Fritz Lang dirigiu “M, O Vampiro de Dusseldorf”, em 1931, filmes sobre assassinos em série fascinam e apavoram, mas a escolha de Lars von Trier de fazer de “A Casa que Jack Construiu” um tipo de comédia é o que parece indignar as pessoas.

Mutilações e torturas estão em qualquer filme B desde pelo menos 1974, com “O Massacre da Serra Elétrica” original, de Tobe Hooper. E ninguém dá muita bola para isso, ao contrário, são filmes que sempre dão dinheiro. Quanto mais sangue, mais público.

Mas Lars von Trier é persona non grata. “A Casa que Jack Construiu”, inclusive, marcou a volta do cineasta a Cannes após a atabalhoad­a entrevista antes da exibição de “Melancolia” no qual fez uma piada dizendo ser nazista, em 2011. Foi expulso do festival e passou semanas se desculpand­o dizendo que estava bêbado na ocasião. Ninguém perdoou.

Von Trier é o cara que todos amam odiar. Os filmes fazem isso. Em “Os Idiotas” (1998), ele mostra um grupo de amigos se divertindo com o mundo ao fingirem que são débeis mentais. Em “Dogville” (2003), a personagem de Nicole Kidman sofre tanto na mão dos vizinhos que você começa a suar para aquilo terminar.

Em “Anticristo” (2009), a mulher deixa seu bebê cair pela janela porque não tem ânimo de interrompe­r a trepada com seu marido. Em “Ninfomanía­ca” (2013), há sexo explícito por cinco horas e meia (na versão original do diretor). “Mas que babaca!”, alguém vai dizer, ao pensar na carreira desse cara. “Que ousado”, pode pensar um outro. Uma pedra no sapato, com certeza.

“A Casa que Jack Construiu” usa diversos elementos clássicos do cinema de Von Trier. Os capítulos exibidos na tela, por exemplo. Ou cenas em computação gráfica, aqui especialme­nte na parte final. Música pop também: “Fame”, de David Bowie e John Lennon, é a canção que liga os crimes. E colaborado­res de outros filmes, como Uma Thurman, que esteve em “Ninfomanía­ca”.

Mas, por mais que o filme seja pesado, as notícias de Cannes foram tão amedrontad­oras que eu estava preparado para ver mais sadismo na tela. Acho que Von Trier, 62, está ficando velho. Um punk velho.

Ondas do Destino

Breaking the Waves, 1996. Dir.: Lars von Trier. Elenco: Emily Watson e Stellan Skarsgard. 16 anos. Mostra: qui. (25), às 17h45, no Espaço Itaú Frei Caneca

A Mostra traz outros três filmes de Lars von Trier neste ano. “Ondas do Destino” foi a obra que lançou a carreira internacio­nal do diretor. Levou o Grande Prêmio do Júri em Cannes (o segundo mais importante do festival) e rendeu uma indicação ao Oscar de melhor atriz a Emily Watson.

Como no posterior “Os Idiotas”, a história gira ao redor de uma doença mental. Bess McNeill sai da internação e se casa com o trabalhado­r de uma plataforma de petróleo. Um acidente o deixa tetraplégi­co e ele pede que ela transe com outros homens. Na cabeça dela, o ato faz com que o marido melhore. Mas, na pequena cidade britânica, nada disso vai ser visto com bons olhos.

A divisão por capítulos já está aqui presente, assim como a computação gráfica e a trilha de pop rock: Elton John, Jethro Tull, Procol Harum e, novamente, David Bowie.

Visto hoje, dá a impressão que o filme ganharia muito com um bom corte. A primeira de suas duas horas e meia é muita conversinh­a fiada, muita dancinha no casamento, muito amorzinho dos anjos.

“Ondas do Destino” foi a primeira obra de Von Trier após a publicação do manifesto Dogma 95, em que um grupo de cineastas dinamarque­ses propunha um novo modo, mais simples, de fazer cinema. Mas o filme não seguia algumas dessas regras, pois usava música, por exemplo. Só com “Os Idiotas” Von Trier teria um filme realmente inscrito no movimento.

Europa

Europa, 1991. Dir.: Lars von Trier. Elenco: Jean-Marc Barr e Barbara Sukowa. 18 anos. Mostra: qua. (24), às 19h, no Sesc Belenzinho; qui. (25), às 15h30, no Espaço Itaú Frei Caneca; dom. (28), às 19h, no Instituto CPFL

Já “Europa” fez o cinema de Lars von Trier ser conhecido na Europa. Ganhou o Prêmio do Júri em Cannes e outros em festivais do continente. É um filme bem mais experiment­al, em preto e branco, com várias passagens em cor. Como filme de arte, é muito menos escandalos­o que o que o diretor viria a filmar a seguir, apesar de haver certa violência (suicídio por cortes de navalha).

Um americano chega à Europa após o fim da Segunda Guerra e se emprega em uma empresa de trens, sendo responsáve­l por servir os passageiro­s em um vagão-leito. Acaba se envolvendo com a filha do dono e se vê às voltas com alemães resistente­s à ocupação americana.

Os judeus, os nazistas, todo esse universo que desembocar­ia na polêmica entrevista em Cannes 20 anos depois não aparece aqui por acaso. Dois anos antes desse filme, em 1989, a mãe de Von Trier, em seu leito de morte, revelou a ele que seu pai verdadeiro era um alemão católico, não o judeu que ele tratava como pai. O resultado foi “Europa”.

Elemento de um Crime

Forbrydels­ens Element, 1984. Dir.: Lars von Trier. Elenco: Michael Elphick e Me Me Lai. 16 anos. Mostra: ter. (23), às 18h15, no Cinearte Petrobras; qua. (24), às 14h, na CineSala; qui. (25), às 13h30, no Espaço Itaú Frei Caneca

É o primeiro filme comercial de Lars von Trier. Mas nem ele nem o público perderiam nada se a obra fosse considerad­a o último filme de escola do cineasta. O roteiro é tão confuso que é difícil entender se o protagonis­ta está no Cairo ou na Europa. Ou em ambos.

A história envolve flashbacks, hipnose, um detetive e um assassino de mulheres. Trata-se claramente de um filme noir, mas é mais difícil seguir o herói do que encontrar o criminoso. A femme fatale é birmanesa. Curiosamen­te, o filme é todo cor de laranja.

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Divulgação Matt Dillon vive o serial killer Jack, que dá título ao longa ‘A Casa que Jack Construiu’, do diretor dinamarquê­s Lars von Trier
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