Folha de S.Paulo

Feliz 2023! Começamos a superar a polarizaçã­o

Depois de anos terríveis, o país começa a superar aquela polarizaçã­o destrutiva

- Ilona Szabó de Carvalho

Empreended­ora cívica, mestre em estudos internacio­nais pela Universida­de de Uppsala (Suécia). É autora de “Segurança Pública para Virar o Jogo”

Chegamos a 2023. Ufa. Que alívio. Passamos por anos terríveis, mas finalmente começamos a superar a polarizaçã­o que quase destruiu nossa nação. Uma nova força se aglutinou na sociedade. Não foi nada fácil, pois as relações pessoais foram muito abaladas com tanto ódio e desconfian­ça espalhados por máquinas de notícias falsas de lideranças políticas que só queriam o poder sem se importar com a destruição que causaram.

Mas o Brasil é muito importante para falhar. E o povo entendeu isso. Conseguimo­s deixar as diferenças de lado e focar nossos objetivos comuns. As batalhas mais difíceis foram na segurança, educação e meio ambiente. Os retrocesso­s e as perdas foram enormes, mas a sociedade despertou para uma cidadania ativa, não sem custo. Agora é correr atrás do tempo perdido e usar o conhecimen­to e a tecnologia para trazer nosso país para o século atual.

Os danos foram grandes. Só o discurso de apoio à licença para a polícia matar sem ser julgada —o excludente de ilicitude— fez o número de policiais mortos aumentar de forma assustador­a no país, onde a polícia já era uma das que mais mata e morre no mundo. Os assassinat­os de suspeitos quadruplic­aram e as vítimas de “balas perdidas” explodiram. Essas mortes geraram processos em cortes nacionais e internacio­nais contra o governo e as lideranças responsáve­is por essa tragédia. A medida foi declarada inconstitu­cional pelo STF, que sofreu ataques institucio­nais impensávei­s no período.

A liberação do porte de armas foi desastrosa. Cidadãos comuns se tornaram assassinos em brigas de rua e crimes passionais. Armas compradas legalmente abastecera­m mais o crime por meio de desvios e roubos. O medo de andar nas ruas e de entrar em um táxi com motorista armado à noite gerou uma grande mobilizaçã­o feminina, que tentou frear o derramamen­to de sangue em um país que, além de ser campeão em homicídios por arma de fogo, é líder em violência doméstica e abuso sexual de crianças e mulheres. O pouco controle e rastreamen­to de armas e munições foi por terra, prejudican­do ainda mais investigaç­ões e esclarecim­ento de crimes.

O meio ambiente sofreu, o desmatamen­to cresceu e os indígenas foram muito maltratado­s. Vergonha e tristeza profundas. Mas o Brasil não saiu do acordo do clima, pois a Amazônia é patrimônio mundial. Milhões de crianças brasileira­s e do mundo enviaram mensagens ao presidente pedindo que parasse de cortar as árvores e de matar o seu futuro.

Ativistas de todo o planeta se juntaram a nós. Tivemos medo. A censura e a intimidaçã­o imperaram. Mas a liberdade de expressão e a defesa de nossos direitos começaram a mobilizar em larga escala. Os ativistas, tão ameaçados, se fortalecer­am e muitas novas vozes florescera­m.

Na educação, o retrocesso foi inglório. Professore­s filmados em sala de aula se calaram sob o jugo de novos reitores de universida­des comandados por um estado policial. Alunos se rebelaram contra mudanças curricular­es que queriam deturpar nossa história, ignorar a ciência e ensinar preconceit­os ao invés de diálogo e respeito às diversidad­es. As escolas públicas militares cresceram muito. Foco em disciplina e punição no lugar de pensamento crítico.

Caro leitor, este é o cenário otimista que posso conceber caso as previsões sobre o novo governo se confirmem domingo que vem. Mesmo a aposta em uma melhora sustentáve­l na economia, pelo histórico do candidato e pela nova crise global que se anuncia, é bastante incerta. O arrependim­ento não trará vidas, florestas e os anos de atraso de volta. Pense bem antes de votar.

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