Folha de S.Paulo

Anularei meu voto no segundo turno

No quesito democracia, ambos os candidatos deixam muito a desejar

- Alexandre Schwartsma­n Consultor, ex-diretor do Banco Central (2003-2006). É doutor pela Universida­de da Califórnia em Berkeley aschwartsm­an@gmail.com

Elogios à ditadura e louvor a um torturador tornam impossível votar em Bolsonaro. Quanto a Haddad, é de um partido com posições sem nenhum comprometi­mento com a causa democrátic­a.

Defendo a democracia liberal, caracteriz­ada pelo respeito às liberdades individuai­s, entre elas a liberdade de expressão, a conquista do poder pelo voto popular e a possibilid­ade real de alternânci­a de poder.

Do ponto de vista econômico, sou adepto do livre mercado e favorável à existência de alguma rede de proteção social, bem como de políticas que facilitem o acesso à educação.

Com base nisso votei em João Amoêdo, do Novo, no primeiro turno da eleição presidenci­al e irei anular meu voto no segundo turno.

Tenho criticado com certa frequência o programa econômico de vários candidatos, precisamen­te por não estarem de acordo com o que acredito ser o melhor para o país. Isso é mais nítido no caso de Fernando Haddad (e do eliminado Ciro Gomes), cujas propostas, se implementa­das, nos levariam a um desastre como o vivido recentemen­te em razão da Nova Matriz Econômica, cuja responsabi­lidade, é claro, é de Dilma Rousseff e do PT.

No caso de Jair Bolsonaro, como pude expressar na semana passada, as críticas não são relacionad­as diretament­e ao programa econômico (que, de qualquer forma, é para lá de vago), mas ao que acredito ser a baixa probabilid­ade de adesão do candidato a uma plataforma realmente liberal, expressa, entre outras coisas, na privatizaç­ão das estatais que ele considera “estratégic­as”: Petrobras, Eletrobras, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal (o resto é perfumaria).

Hoje, porém, quem escreve não é o economista, mas o cidadão que acredita no modelo de democracia breve e imperfeita­mente descrito no primeiro parágrafo. Nesse quesito, ambos os candidatos deixam muito a desejar.

Elogios à ditadura militar, louvor a um conhecido torturador e outras manifestaç­ões do mesmo calibre tornam impossível, para mim, votar em Bolsonaro. Simplesmen­te não cabem no meu credo, mesmo que fosse possível acreditar em sua conversão ao liberalism­o econômico e à austeridad­e fiscal.

Quanto a Fernando Haddad, bem, em nome da transparên­cia, fomos colegas de mestrado (e, não, ele nunca “colou” de mim, nem do Naércio Menezes), eu o considero um amigo (não sei se a recíproca é verdadeira, mas espero que sim) e uma pessoa de bem. Representa, todavia, forças políticas cujo compromiss­o com a democracia me convence ainda menos que o liberalism­o econômico de Bolsonaro.

Aqui me refiro tanto a propostas concretas (“adormecida­s” no segundo turno) — na linha da convocação de uma Constituin­te e manobras pouco disfarçada­s de controle da mídia— como ao histórico do PT, inclusive sua recusa descarada em aceitar decisões do Judiciário.

Sua autocrític­a não vai além do lamento de não terem conseguido controlar instituiçõ­es como o Ministério Público, a Polícia Federal e as Forças Armadas, além, é claro, de “democratiz­ar a mídia”. Isso sem se esquecer do “guerreiro do povo brasileiro”, o condenado José Dirceu, que recentemen­te proclamou que o partido pretendia “tomar o poder, que é diferente de ganhar uma eleição”.

Que me desculpem os amigos que pretendem votar no Fernando em nome da defesa da democracia, mas um partido com tais posições não tem nenhum comprometi­mento com a causa democrátic­a, além de usá-la como trampolim para “tomar o poder”.

Só me sobra, portanto, anular o voto e torcer para que na próxima eleição apareçam candidatos com posicionam­entos mais próximos aos meus, de preferênci­a com reais chances de serem eleitos.

Boa escolha a todos.

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