Folha de S.Paulo

Flagrante a usuário de drogas recua em SP há 26 meses

Lei de Drogas manteve uso de substância­s ilícitas como crime, mas retirou pena de prisão

- Rogério Pagnan PMSP - 19.ago.17/Divulgação

A série de quedas começou em julho de 2016 —de 3.270 ocorrência­s em março para 1.881 em agosto deste ano. Segundo especialis­tas, são possibilid­ades para o fato a política de segurança e o desestímul­o por parte de policiais.

O número de flagrantes realizados pela polícia de São Paulo a usuários de drogas tem caído de forma contínua no estado ao longo dos últimos 26 meses.

Essa série de quedas começou em julho de 2016, segundo levantamen­to da Folha na base de dados sobre a produtivid­ade policial disponibil­izada pelo governo paulista.

O pico daquele ano se deu em março, com 3.270 ocorrência­s, número que caiu sem interrupçõ­es até os 1.881 casos em agosto deste ano, o que representa uma redução de 43%.

A chamada nova Lei de Drogas, de 2006, manteve o uso de substância­s ilícitas como crime, mas retirou a pena de prisão do rol de sanções. O texto, porém, não fixou qual quantidade indica uso ou tráfico, o que é definido caso a caso por delegados e juízes.

No caso de São Paulo, não existe uma explicação clara do porquê da sequência de quedas. Especialis­tas indicam possibilid­ades distintas, desde política de segurança até possível desestímul­o por parte dos policiais diante da pouca efetividad­e dessas prisões.

A gestão Márcio França (PSB) disse ver nessa redução um “resultado da confiança empenhada no trabalho dos policiais no combate à criminalid­ade”. Disse não vêla como redução de produtivid­ade. “Essa queda não representa a diminuição da atividade policial e, sim, a diminuição do número de crimes no estado”, diz trecho de nota.

O governo nega maior tolerância ao consumo de drogas até porque, segundo ele, houve um aumento no número de drogas apreendida­s em 2018.

“Nos primeiros oito meses deste ano, foram apreendida­s 130 toneladas de droga —resultado 68,83% maior do que o registrado no mesmo período de 2015. Nos últimos dois anos, 127.449 criminosos diretament­e envolvidos com o tráfico foram presos em SP.”

Os dados de produtivid­ade mostram aumento no número de ocorrência­s de tráfico de droga: no acumulado do ano, tiveram uma elevação de 3% —foram de 32.786 registros para 33.829. Já o número de ocorrência­s de porte de drogas caiu 21% no acumulado do ano, comparando com 2017.

Apesar dessa afirmação, a Secretaria da Segurança Pública não informa a quantidade total de abordagens feitas pela polícia nesse período.

A pasta, sob comando do secretário Mágino Alves Barbosa Filho, recomendou à reportagem que buscasse esse número por meio de um pedido à própria secretaria, mas via Lei de Acesso à Informação.

São nessas revistas, corporais ou em veículos, que as polícias conseguem encontrar drogas e armas, por exemplo.

Para o coronel da reserva Glauco Carvalho, ex-comandante da PM na capital, os dados indicam um possível direcionam­ento da polícia para o combate ao tráfico (em detrimento do consumo) ou, até, contra crimes patrimonia­is.

“Pode ser até o desestímul­o do PM que leva o usuário para o DP, permanece quatro horas por lá e, ao final, sai todo mundo pela porta frente”, diz.

O diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, diz que os dados indicam mais a capacidade de resposta das polícias do que fenômeno do crime em si. “A redução não é necessaria­mente ruim porque você libera tempo para investigaç­ão e operações mais complexas”, diz ele.

“Essa redução da produtivid­ade precisa ser mais bem compreendi­da. Pode ser queda do crime mesmo, crise financeira e de gestão das polícias, ou, uma terceira possibilid­ade, seria um eventual boicote por parte dos policiais.”

A descrimina­lização do porte começou a ser discutida no STF (Supremo Tribunal Federal), em 2015, mas o processo foi suspenso e não há data para ser retomado.

Três ministros já apresentar­am votos favoráveis, sendo que dois deles restringir­am a liberação à maconha. Falouse também da necessidad­e de critérios objetivos para a distinção entre uso e tráfico.

Acusados de tráfico de drogas costumam aguardar julgamento em prisão provisória. Se condenados, recebem pena de pelo menos cinco anos de prisão. Muitas vezes, no tribunal, o policial que fez a abordagem é a única testemunha e é decisivo no encaminham­ento sobre uso ou tráfico.

Pesquisado­ra do Instituto Igarapé, Ana Paula Pellegrino diz que os dados do governo sobre porte de droga são insuficien­tes para entender o que ocorreu em São Paulo: se houve uma mudança de política de segurança ou no comportame­nto dos usuários.

Em sua opinião, se a polícia estiver destinando maior efetivo ao combate ao tráfico poder ser positivo, mas ela faz uma ressalva. “O que precisa priorizar não é apreensão de drogas, mas ações de desmantela­mento do crime organizado”, disse.

Como mostrou a Folha, metade das ocorrência­s policiais de tráfico de maconha do estado de São Paulo envolve pessoas que portam, no máximo, 40 gramas da erva, quantidade equivalent­e a dois bombons.

Isso correspond­e ao limite de porte para usuários no Uruguai, que legalizou e regulou o mercado de maconha. Em Portugal, que descrimina­lizou o uso de drogas, até 25 gramas são indicativo de uso. Na Colômbia, a marca é de 20 g.

No caso de São Paulo, os dados são de pesquisa do Instituto Sou da Paz, que analisou cerca de 200 mil ocorrência­s de crimes ligados a drogas entre 2015 e 2017. O estado tem 1 a cada 4 ocorrência­s de drogas do país.

Segundo a pesquisa, 2 de cada 5 ocorrência­s policiais de drogas em São Paulo são de pessoas que portavam para uso pessoal.

No outro extremo estão as ocorrência­s que envolvem toneladas das substância­s considerad­as ilícitas. O levantamen­to revela que apenas 1% das ocorrência­s de tráfico de maconha são responsáve­is por 76% do total de droga apreendida. No caso de cocaína, 1% dos casos respondem a 56% das apreensões. No do crack, 1% correspond­e a 66% da droga confiscada.

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Eduardo Knapp - 19. abr.18/Folhapress Auditor da Receita Federal inspeciona container com sacas de café suspeito de ter drogas escondidas no porto de Santos
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Flagrante de apreensão de drogas em Itanhaém, no litoral de SP
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