Folha de S.Paulo

Encruzilha­da petista

A despeito de remendos improvisad­os por Haddad, partido está longe de dispor de um programa de governo realista, que demonstre um aprendizad­o

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Sobre a inconsistê­ncia da campanha de Haddad.

A campanha de Fernando Haddad (PT) “mantém o jogo do faz de conta do desespero eleitoral, segue firme no universo do marketing, sem que o candidato inspire-se na gravidade do momento para virar a própria mesa, fazer uma autocrític­a corajosa e tentar ser o eixo de uma alternativ­a democrátic­a verdadeira”.

O que vai acima, por menos que pareça, é parte de uma declaração pública de apoio ao presidenci­ável do PT —vinda de Marina Silva, concorrent­e da Rede, a poucos dias da votação no segundo turno.

Trata-se, provavelme­nte, da segunda adesão mais importante à campanha de Haddad, embora a votação da ex-candidata, como ela própria aponta no texto, tenha sido insignific­ante na primeira rodada.

Nem há necessidad­e de recordar em que termos se deu o endosso do PDT de Ciro Gomes —cujo irmão, Cid Gomes, senador eleito pelo Ceará, discursou a petistas prevendo derrota ampla e merecida.

Ainda que se devam descontar das declaraçõe­s ressentime­ntos comuns nas batalhas políticas, cumpre apontar que Marina e Gomes fazem críticas das mais pertinente­s em seu apoio relutante.

Por um lado, pode-se considerar que a estratégia do PT no pleito deste ano foi bem-sucedida ao levar Haddad ao segundo turno, ao manter uma bancada de deputados expressiva para os padrões nacionais e ao eleger três ou quatro governador­es no Nordeste.

Em nada se avançou, entretanto, na construção de um projeto de governo realista, que demonstre aprendizad­o com os erros brutais do passado e capacidade de dialogar com a sociedade não engajada.

Haddad, em tese o coordenado­r do programa petista, improvisa às pressas remendos no texto rancoroso do primeiro turno. A manobra tardia soa a estelionat­o eleitoral —como era o lançamento ao Planalto de Luiz Inácio Lula da Silva, condenado por corrupção.

Desaparece a proposta de um novo Legislativ­o para reescrever a Constituiç­ão, agora tratada como mero mal-entendido. Surge o Banco Central com autonomia e missão única de controlar a inflação, saindo de cena a ideia de que deveria também visar o emprego.

São suavizadas as menções a um fantasioso golpe de Estado em 2016, mas o presidenci­ável não mostra dispor de outra versão para o impeachmen­t de Dilma Rousseff.

O arremedo de autocrític­a, ademais, parece limitado pelo cálculo político de um partido preocupado em preservar o ânimo da militância e o comando da oposição.

Resta atacar o oponente, Jair Bolsonaro (PSL), e apresentar Haddad como única opção democrátic­a. Tarefa inglória para uma legenda que tacha críticos e adversário­s de golpistas e inimigos do povo.

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