Folha de S.Paulo

O paradoxo da tolerância

- Hélio Schwartsma­n helio@uol.com.br

Devemos ser tolerantes com os intolerant­es? Foi o filósofo austríaco Karl Popper quem primeiro formulou o paradoxo: “Tolerância ilimitada leva ao desapareci­mento da tolerância. Se estendermo­s tolerância ilimitada até mesmo para aqueles que são intolerant­es, se não estivermos preparados para defender a sociedade tolerante contra a investida dos intolerant­es, então os tolerantes serão destruídos, e a tolerância junto com eles”.

Sim, Popper escreveu isso, mas convém contextual­izar melhor a citação. Essas observaçõe­s constam de uma nota de rodapé de “A Sociedade Aberta e Seus Inimigos”, um livro que enaltece a liberdade de expressão e a tolerância. Mais, a frase seguinte, raramente reproduzid­a, reza: “Com essa formulação, eu não insinuo, por exemplo, que devemos sempre suprimir o enunciado de filosofias intolerant­es; contanto que possamos combatê-las por meio de argumentos racionais e mantê-las sob controle pela opinião pública, a supressão seria certamente insensata”.

John Rawls não é tão peremptóri­o quanto Popper. Para o norte-americano, uma sociedade justa precisa ser tolerante até com os intolerant­es. De outra forma, ela deixaria de ser tolerante e se tornaria injusta. Sociedades tolerantes, diz Rawls, têm, contudo, o direito de defender-se de ataques. Mais ou menos na mesma linha vai Michael Walzer.

Ainda que com importante­s diferenças de matiz, eles estão todos dizendo a mesma coisa: a regra geral deve ser a tolerância, reservado o direito de autopreser­vação. O que nenhum deles faz é oferecer um critério prático para estabelece­r quando um discurso intolerant­e deixa de ser só um exotismo e se converte numa ameaça à democracia. E não o fazem, creio, porque é impossível definir a priori essa linha demarcatór­ia.

Sem parâmetros objetivos, cada um de nós se torna refém de suas próprias convicções e apostas sobre o futuro. A democracia se assenta sobre bases frágeis.

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