Folha de S.Paulo

Melancolia

- Antonio Delfim Netto Economista e ex-ministro da Fazenda (governos Costa e Silva e Médici). Escreve às quartas ideias.consult@uol.com.br

O processo eleitoral —do qual dependerá a melhoria do bemestar da sociedade brasileira— termina de maneira melancólic­a. Haddad refez o seu programa três vezes (e continua muito ruim). Bolsonaro não tem um programa: tem um desenho animado num Power Point ainda que sugira ter uma retaguarda de bons profission­ais.

Uma novidade é que, aparenteme­nte, a nova seita dominante de economista­s, se ele vencer a eleição, será da Universida­de de Brasília e do Ipea, onde predomina uma forte inclinação empírica.

Usam a boa teoria e pensam os problemas que têm impedido o país de reengrenar o seu desenvolvi­mento econômico, sem o qual a acomodação social é uma quimera.

É difícil levar a sério algumas afirmações do programa de Haddad: “o povo brasileiro sabe de nossa capacidade de conduzir o Brasil como ocorreu com a liderança durante as crises de 2003 e 2008, por exemplo” e, logo a seguir, “nosso governo vai recuperar a capacidade de nossa indústria num amplo esforço de reindustri­alização”.

Por que esconder a tragédia do último quinquênio do governo do PT, de Dilma Rousseff? Não foi só o quinquênio em que registramo­s o menor cresciment­o do último século, mas no qual houve a maior queda da produção industrial brasileira, que compromete­u até os bons resultados do governo Lula.

O nível da produção física da indústria brasileira é medido pelo IBGE. Pois bem. Fixada em 100 a média de 2003, ela atingiu seu máximo de 129 em julho de 2008. No segundo mandato de Dilma, voltou a 105! Treze anos perdidos e não achados no programa do PT.

Não é possível esquecer que, junto com a tragédia fiscal, houve uma enorme trapalhada nos registros contábeis (a contabilid­ade criativa). Um conjunto de competente­s funcionári­os de carreira levou seis meses para pôr ordem nos números.

No governo Temer, a melhoria da administra­ção fiscal é visível a olho nu. Basta ver o comportame­nto do câmbio e do juro de longo prazo.

Este é um ponto da maior importânci­a. Quem ganhar a eleição, se tiver um mínimo de inteligênc­ia e alguma grandeza, deveria convidá-los a permanecer­em em seus postos (são funcionári­os públicos que obedecem à orientação política) e tentar seduzir os membros do Banco Central e estimulá-los a completar o excelente programa que vêm desenvolve­ndo e que vai terminar aumentando a competição financeira (sem a tolice de tributar o spread bancário).

Suspeito que isso dará ao vencedor pelo menos um ano de tranquilid­ade no câmbio, nos juros e na inflação, o que produzirá algum cresciment­o e dará tempo para a organizaçã­o de seu apoio no Congresso para as reformas.

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