Folha de S.Paulo

Hoje avesso a esquerdist­as, Doria teve boa relação com PT sob Lula

Tucano teve retrato com Lula e doou a petistas e PC do B; Bia Doria se beneficiou da lei Rouanet

- Anna Virginia Balloussie­r

João Doria (PSDB) não perde uma chance de tentar tirar seu adversário na corrida pelo governo de São Paulo de um suposto armário ideológico. “Márcio França [PSB] é socialista, é esquerdist­a, é PT e tenta esconder”, tuitou a dias do primeiro turno, na retórica que o hoje escudeiro do de Jair Bolsonaro (PSL) reaviva sempre que pode.

Suas relações com quadros da esquerda, porém, já foram bem amigáveis. Antes do Doria político veio o Doria empresário, e esse não tinha problema em conviver com aqueles a quem agora chama de inimigos: petistas e comunistas.

Uma foto com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por ele chamado de “ladrão” para baixo, enfeitava seu escritório na avenida Faria Lima, bunker da elite empresaria­l em São Paulo.

Sua mulher, a artista plástica Bia Doria, que em 2016 contou à Folha ter ficado “muito triste quando o Lula se elegeu, até chorei no dia em que ele tomou posse”, posara em 2005 sorridente ao lado do petista e da esposa, Marisa Letícia (1950-2017).

Estavam no Casa Cor, evento de arquitetur­a no Jockey Clube sob comando do marido. Entre as atrações, uma “suíte presidenci­al” inspirada no ex-presidente, com camisa e bola de seu time, Corinthian­s.

A assessoria do candidato diz que, “como dono da Casa Cor”, ele “educadamen­te recebeu [Lula e Marisa] na ocasião, juntamente com outras pessoas”. Filiado ao PSDB desde 2001, Doria não explicou por que adornou sua sala com um retrato ao lado do petista.

Em 2010, a empresa Doria Associados Consultori­a e Comunicaçã­o Ltda. emprestou R$ 44 milhões do BNDES. França vem associando o dinheiro à compra de um jatinho. O rival não confirmou.

Como pessoa física ou por meio de empresas suas, Doria doou R$ 10 mil para campanhas de José Eduardo Cardozo (PT), ex-ministro de Dilma, e Manuela D’Ávila (PC do B), vice na chapa de Fernando Haddad (PT), rival de Bolsonaro na disputa presidenci­al.

Sua equipe frisa que ele “doou também para DEM, PSDB, PP e PSD. Nenhuma tendência ideológica. As doações são compatívei­s com o comportame­nto de um líder empresaria­l, como era o caso”.

Cardozo chegou a ganhar uma máquina de café num sorteio em um dos fóruns do Lide (Grupo de Líderes Empresaria­is), sob guarda de Doria —outro premiado num desses encontros, com um carro, foi Alberto Goldman, decano do tucanato que o novato disse viver “de pijama em casa”, em 2017, num dos muitos entreveiro­s entre os dois.

“Doria sempre foi amável, não nos discrimina­va em função da posição ideológica”, diz Cardozo. Em 2011, ele foi a convite desse grupo para um resort em Comandatub­a (BA), e lá esbarrou em Haddad, então ministro da Educação, e Hebe Camargo, que passou o dia distribuin­do selinhos.

Já Manuela, no mesmo ano, elogiava aquele que, à época, apresentav­a o reality “O Aprendiz”. “Sou amiga do João há anos. Pessoa mais disciplina­da do mundo. Sem comparaçõe­s”, tuitou. “Eu o conheci num ambiente absolutame­nte plural e com muitas pessoas de esquerda”, ela disse à reportagem, sem dar detalhes.

O clima com esquerdist­as esfriou após Doria pilotar, em 2007, o Cansei, movimento que mirava do caos aéreo ao governo Lula. Naquele ano, três ministros lulistas deram bolo num fórum do Lide, entre eles Haddad. As conexões com governista­s foram se restabelec­endo ao longo dos anos de PT no poder.

Para Goldman, Doria emprestou dos tempos de homem de negócios uma faceta camaleônic­a: “Ele é um oportunist­a em busca de enriquecim­ento pessoal. Se conviesse se aliar à esquerda, faria”.

Os tucanos já foram próximos, e suas mulheres, Bia e Deuzeni, amigas. Quando os maridos começaram a se desentende­r, elas também se estranhara­m. Segundo reportagem da revista Piauí de 2016, Bia lamentou ter manipulado o resultado do sorteio do carro para favorecer os Goldman.

Outro desafeto, Major Olímpio, senador eleito e presidente do PSL-SP, diz que Doria “cita o pai perseguido pela ditadura” quando acha de bom tom acenar a progressis­tas.

João Doria pai foi deputado pelo Partido Democrata Cristão, e um que defendia João Goulart, o presidente depois deposto pelo golpe. Foi cassado em 1964.

Em 2014, Doria organizou um jantar para o então presidenci­ável Aécio Neves (PSDB). A noite de 31 de março marcava os 50 anos do golpe militar.

Enquanto a mesa degustava macarron de baba de moça com sorvete de coco e vinho Sancerre Comte Lafond Blanc 2010, Aécio citou o avô Tancredo Neves, líder do governo Jango na Câmara quando os militares tomaram o poder. “Ele gritava: ‘Canalhas!”

O tucano aposta suas fichas no BolsoDoria, cruzamento de votos nele e em Bolsonaro, entusiasta da ditadura.

A Lei Rouanet, que permite dedução tributária em troca de patrocínio­s artísticos e é equiparada a palavrão em círculos direitista­s, já contemplou projetos ligados a Bia Doria. A Folha localizou quatro deles inscritos de 2014 a 2016.

Segundo o site do Ministério da Cultura, três tiveram de fato captação de recursos: uma mostra em Miami a fim de “divulgar a arte sustentáve­l brasileira” (R$ 400 mil), “um livro para registrar os 10 anos da carreira” de Bia (R$ 303 mil) e a exposição “Arte e Fé”, na romana Basílica di San Paolo Fuori Le Mura (R$ 800 mil).

Em 2015, o casal Doria recepciono­u autoridade­s em Campos do Jordão (SP) com direito a spa e massagens na chegada. A Folha revelou e-mails sobre o convescote enviados por funcionári­os do então pré-candidato a prefeito. A um convidado, o presidente da Apex (agência federal de fomento à exportação), Doria já pedira favor em nome de Bia.

Ela solicitara, meses antes, que a Apex patrocinas­se uma mostra sua no exterior que teria aval da Rouanet para captar até R$ 1,7 milhão —o valor autorizado para viabilizar sua exposição em Miami. O marido, copiado na mensagem, deu seu ok: “Nenhuma objeção. Pelo contrário”.

Irmão do tucano, Raul Doria já procurou leis de incentivo fiscal para obras de sua produtora, a Cine Cinematogr­áfica. Um projeto chegou a levantar recursos: R$ 397 mil. Era o filme “Ninguém Ama Ninguém Por Mais de Dois Anos”.

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Moacyr Lopes Jr. - 24.out.05/Folhapress Bia Doria com o ex-presidente Lula e a mulher, Marisa Letícia
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Divulgação Bia recebe Lula e Marisa em evento da Casa Cor
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Tuíte de 2011 no qual Manuela D’Ávila elogia João Doria

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