Folha de S.Paulo

França viola direitos humanos ao proibir véu islâmico, diz ONU

- Lucas Neves

A Organizaçã­o das Nações Unidas (ONU) considera que a França violou os direitos humanos ao multar duas mulheres pelo uso em público do niqab, o véu islâmico que deixa à mostra apenas os olhos.

A decisão foi anunciada nesta terça-feira (23), dois anos depois de elas terem recorrido ao Comitê de Direitos Humanos da entidade.

A punição foi dada em 2012; uma lei que proíbe a utilização de acessórios e vestimenta­s que escondam o rosto das pessoas entrou em vigor na França em 2010 e fixa multa de até 150 euros (R$ 635) para aqueles que a infringem —ou aulas sobre a civilizaçã­o francesa.

O governo francês não é obrigado a seguir as orientaçõe­s do colegiado de 18 especialis­tas. Mas Paris é signatária de um protocolo adicional que estabelece que os países que o ratificam devem obedecer às determinaç­ões da junta.

Nesse caso, o comitê deu seis meses para que a França informe como pretende responder à decisão, num arco de ações que pode envolver compensaçã­o financeira às duas mulheres multadas, emendas na lei ou mudanças na jurisprudê­ncia.

Os especialis­tas considerar­am que a proibição geral e irrestrita do uso do niqab em espaço público configura um ataque desproporc­ional ao direito das mulheres de expressar suas convicções religiosas.

Também avaliaram que a França não justificou adequadame­nte por que seria preciso banir a vestimenta —o argumento da segurança pública e do estímulo à vida em comunidade (em contraposi­ção ao isolamento em guetos) não os convenceu.

Para o colegiado, há circunstân­cias em que um país pode efetivamen­te pedir que as pessoas transitem pela rua com o rosto visível, mas são ocasiões pontuais não deveriam embasar um veto permanente.

Também para o grupo, a lei francesa pode ter o efeito contrário ao almejado, levando mulheres islâmicas a não saíram mais de casa e afastando-as dos serviços públicos.

Muitos integrante­s do comitê, ponderou seu presidente, Yuval Shany, veem no uso do véu um instrument­o de opressão da mulher, mas isso não basta para apoiar um banimento generaliza­do — que, para eles, não consegue dosar interesse público com direitos individuai­s.

Em setembro deste ano, o mesmo comitê havia assinalado haver violação de direitos humanos em outro episódio ocorrido na França: a demissão, em 2008, da diretoraad­junta de uma creche que se recusara a tirar o véu islâmico no local de trabalho.

Por outro lado, a Corte Europeia de Direitos Humanos, cujas sentenças são vinculante­s, determinou em duas ocasiões (2014 e 2017) que não havia violação de liberdade religiosa no veto ao niqab.

Além da França, países como Bélgica, Holanda, Bulgária, Dinamarca, Áustria e Alemanha têm legislaçõe­s nacionais ou regionais para regular o uso de véu em público.

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