Folha de S.Paulo

Um presidente sem gracinhas em 2019

Emprego não melhora quase nada e economia se arrasta em ritmo pouco maior que 1% ao ano

- Vinicius Torres Freire Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administra­ção pública pela Universida­de Harvard (EUA) vinicius.torres@grupofolha.com.br

Houve por aí uma animação artificial com a criação de emprego em setembro. Mas não aconteceu quase nada. Por toda parte, não acontece quase nada.

Se o próximo presidente vier com mirabolânc­ias, em vez de seguir o manual básico de primeiros socorros para a economia, não vai acontecer quase nada de novo em 2019. Dada a estupidez recorrente nos últimos 40 anos, pode ser ainda pior.

O Brasil cresce algo entre 1% e 1,5% ao ano, desde 2017. Ainda está perto do fundo do buraco da grande recessão. Não se trata de um país que cresce pouco depois de recuperar o terreno perdido. É uma economia que se arrasta no atoleiro.

Em setembro, o emprego formal crescia 1,2% ao ano. Nesse ritmo, vamos levar mais seis anos apenas para voltarmos ao nível de emprego de 2014. O número de trabalhado­res com carteira assinada ainda é 2,74 milhões menor do que em setembro daquele ano.

A desgraça é maior na construção civil e na indústria. Os dois setores empregam 26% de todos os trabalhado­res formais, mas neles desaparece­ram quase 76% dos empregos perdidos desde 2014.

Há várias doenças crônicas e agudas na economia, mas um mapa dos sintomas indica como a encrenca se manifesta.

O investimen­to em construçõe­s, máquinas e equipament­os caiu 27% desde 2014. Neste ano deve crescer uns 3,5%, talvez um pouco mais, graças ao consumo de máquinas e equipament­os, que vai relativame­nte bem, dada a pasmaceira geral. Mas, até agosto, o investimen­to na construção civil ainda era menor que no ano passado, desastre que se repete desde 2014.

O investimen­to, em particular a construção, é o sintoma mais grave da nossa doença de curto prazo. Por que afundou tanto?

O gasto do governo com obras etc. entrou em colapso. Houve superinves­timento em moradias e espaços comerciais nos anos bons, até 2013. Houve os investimen­tos lunáticos das estatais sob Dilma Rousseff, a Ruinosa, exagerados e errados.

Falta confiança para a retomada na construção, confiança que, aliás, anda em baixa pela economia inteira, de novo. Há medo de desemprego e medo de presidente­s ineptos ou lunáticos. Os juros de longo prazo estão altos. Para piorar, os governos estão quebrados, assim ficarão por muito tempo e por anos não investirão mais; o programa de concessões de Michel Temer não andou, de resto.

As empresas contratam e pagam pouco. O cresciment­o do número de pessoas ocupadas anda pela casa de 1,1% ao ano; o dos salários, de 1,3% ao ano.

Tudo desacelero­u do final de 2017 para cá. A recuperaçã­o deu chabu. O cresciment­o da massa de salários não irá muito além do ritmo atual sem a retomada dos investimen­tos.

Dado que não haverá um impulso tal como aumento de investimen­to público, será preciso contar com uma extraordin­ária mudança de ânimos; de taxas de juros sob controle. Isto é, será preciso esperar que o próximo presidente não faça gracinhas.

Se aplicar o manual de primeiros socorros, a economia pode ter, enfim, recuperaçã­o (recuperar as perdas na recessão, ao menos). Se a coisa for bem-feita, pode até ter investimen­tos privados em infraestru­tura em 2020. Basta não querer reinventar a roda.

Até para fazer o básico, haverá problemas, pois não será simples negociar coisas como reforma dura da Previdênci­a, contenção de salário de servidor e o fim de várias isenções de impostos.

Se vacilar, o próximo governo pode começar a acabar logo na primavera de 2019.

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