Folha de S.Paulo

Instituto Chico Mendes sofre mais ataques em Rondônia

Para servidores, críticas de Bolsonaro a órgãos ambientais alimentam as hostilidad­es e criam ‘clima pesado’

- Fabiano Maisonnave Divulgação

O ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservaçã­o da Biodiversi­dade) sofreu dois ataques atribuídos a madeireiro­s em Guajará-Mirim (RO), a 330 km de Porto Velho. O saldo é de um carro parcialmen­te avariado e uma moto furtada.

Os incidentes ocorreram durante operações de combate à extração ilegal de madeira na Reserva Extrativis­ta (Resex) do Rio Ouro Preto. Os criminosos roubam principalm­ente itaúba, madeira de alto valor devido a sua resistênci­a.

O primeiro caso ocorreu na madrugada do dia 30 de setembro. Um Ford Fiesta do ICMBio teve parte dos vidros quebrados. Além disso, foi colocada uma ripa de madeira sobre o veículo, interpreta­da pelos agentes ambientais como um recado sobre o motivo do ataque.

Duas semanas depois, no último dia 14, uma moto Yamaha Lander 250 foi furtada. Mais tarde, um funcionári­o do ICMBio recebeu o recado de que o veículo havia sido furtado para cobrir parte do prejuízo com as apreensões.

O órgão ambiental registrou boletim de ocorrência em ambos os casos.

Com o caso de Guajará-Mirim, são três ataques a órgãos ambientais nas últimas semanas. No sábado (20), três viaturas do Ibama foram incendiada­s em Buritis (RO). No dia anterior, uma equipe do ICMBio foi cercada por moradores de Bela Vista do Caracol (PA), às margens da BR-163.

A animosidad­e contra o ICMBio e o Ibama é antiga na Amazônia, mas agentes de ambos os órgãos veem um recrudesci­mento nas últimas semanas, em meio a reiteradas críticas do candidato Jair Bolsonaro (PSL).

Foi a primeira vez neste ano que o Ibama teve viaturas incendiada­s. Em julho do ano passado, um ataque queimou oito caminhonet­es no sudoeste do Pará. Os veículos estavam sendo transporta­dos em um caminhão-cegonheira.

Para o presidenci­ável, o Ibama e o ICMBio promovem uma “indústria de multas” e que seus agentes fazem um “ambientali­smo xiita”. Em visita a Rondônia durante a campanha, ele também disse que o estado tem um excesso de unidades de conservaçã­o e terras indígenas.

“Aqui em Rondônia são 53 unidades de conservaçã­o e 25 terras indígenas. É um absurdo o que se faz no Brasil, usando o nome ambiental”, disse Bolsonaro, em agosto.

O capitão da reserva recebeu votação acima da média nacional (46%) nas regiões dos ataques ocorridos. No Trairão (PA), o candidato do PSL obteve 51,9% dos votos válidos. Em Buritis (RO), o percentual chegou a 69,9%.

Sob a condição do anonimato, um servidor do ICMBio em Guajará-Mirim afirmou que ataques desse tipo eram inéditos na região.

“Parece que está acontecend­o uma revolta. Sempre fiscalizam­os, sempre prendemos pessoas, mas ninguém nunca destruiu nossa viatura ou nos ameaçou”, disse. “Hoje, a gente tem a preocupaçã­o até de estar saindo na rua. Não podemos mais sair em carro oficial, com medo de eles serem detonados. O clima está muito pesado.”

Após ataque da sexta (19), o PM do Pará suspendeu o apoio a operações do ICMBio ao longo da BR-163, alegando falta de segurança e a proximidad­e com o segundo turno.

No incidente, moradores de Bela Vista do Caracol queimaram uma ponte para impedir a volta de uma equipe do ICMBio que fazia uma operação contra desmatamen­to e extração ilegal de madeira e palmito na Floresta Nacional (Flona) Itaituba 2.

Reunidos a algumas centenas de metros, os moradores chegaram a disparar para o alto. A equipe do ICMBio teve de improvisar uma ponte e saiu da área escoltada pela PM. Ninguém foi preso.

Em nota, o Comando Geral da PM afirmou que a medida tem como objetivo evitar “possíveis novos distúrbios” e defendeu a realização de uma reunião, na próxima semana, entre o ICMBio e moradores da região para “amenizar o clima de tensão”.

Procurado, o ICMBio informou que não iria se pronunciar sobre a decisão da PM.

Cálculo do Observatór­io do Clima com base nos dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) mostra que o desmatamen­to na Amazônia aumentou 36% entre junho e setembro, período da pré-campanha e campanha eleitoral, em comparação com o mesmo período do ano passado.

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Um dos três caminhões do Ibama alvos de outro ataque na cidade de Buritis (RO), no sábado (20)

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