Folha de S.Paulo

Conjectura abc, a polêmica matemática

- Marcelo Viana Matemático e diretor-geral do Impa. Ganhador do prêmio francês Louis D.

Um dos problemas mais famosos e importante­s da matemática se encontra numa situação estranha: a solução existe, mas ela é tão longa e abstrata que ninguém sabe dizer se está correta.

Não é incomum que problemas matemático­s tenham soluções difíceis. A prova da conjectura de Poincaré, de G. Perelman, em 2003, demorou anos para ser entendida e aceita, e o mesmo aconteceu com a prova do teorema de Fermat, do britânico A. Wiles, em 1993. A prova do teorema das quatro cores, que usa computador, até hoje não tem versão integralme­nte entendida por humanos. A situação atual da “conjectura abc” é ainda pior.

Considere números inteiros positivos a, b e c que não tenham fatores comuns e tais que a+b=c. Por exemplo, 8+25=33 (9+12=21 está excluído porque os três números são divisíveis por 3). Multipliqu­e todos os fatores primos dos números a, b e c. No exemplo, 2, 5, 3 e 11, e o produto é 330. A conjectura abc diz que esse produto é sempre bem maior que o número c, exceto possivelme­nte num número finito de casos.

A conjectura foi mencionada pela primeira vez em 1985 por J. Oeseterlé, num caso particular que logo foi generaliza­do por D. Masser. Alguns anos depois, N. Elkies observou que a solução dessa conjectura avançaria a teoria das equações com números inteiros, iniciada pelo matemático Diofanto no século 3. G. Faltings, que ganhou a Medalha Fields em 1986 por trabalhos nesta área, diz: “Se abc for verdade, não saberemos apenas quantas soluções uma equação tem, nós poderemos listá-las”.

O problema é que ninguém tinha ideia de como atacar o problema. Pelo menos até 30 de agosto de 2012, quando S. Mochizuki postou na internet quatro trabalhos (mais de 500 páginas!) com a solução.

Mas especialis­tas têm dificuldad­e para entender os argumentos de Mochizuki. Poucos matemático­s leram tudo e dizem ter entendido, mas eles não conseguem explicar aos demais. Assim, o ceticismo vem crescendo na comunidade.

Entre os céticos está P. Scholze, um dos maiores especialis­tas em aritmética. Em março deste ano, meses antes de vir ao Rio de Janeiro receber a Medalha Fields, Scholze visitou Mochizuki para discutir a conjectura abc. Em uma semana, os dois não se entenderam.

Para Scholze “a conjectura abc continua aberta, qualquer um tem a chance de resolvê-la”. Mochizuki diz que as dificuldad­es de Scholze resultam de erros básicos de raciocínio. A polêmica está instalada.

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