Folha de S.Paulo

SPFW promove beijaço e ‘EleNão’ em reação a escalada conservado­ra

Enquanto moda praia vende Brasil internacio­nal, Ronaldo Fraga arma banquete e marca jovem, manifesto político

- Pedro Diniz e Giuliana Mesquita Fotos Zanone Fraissat/Folhapress

Como a moda pode responder à polarizaçã­o de um país às vésperas de uma eleição dramática? Há quem prefira desenhar com todas as letras um manifesto político na roupa ou fazer de seu desfile uma declaração de amor à união e à diversidad­e, como fez Ronaldo Fraga no encerramen­to do terceiro dia da São Paulo Fashion Week.

Na mesma mesa, de comida árabe e kosher, todos puderam se servir ao final da apresentaç­ão —judeus, palestinos, gays, negros, brancos, jovens e idosos, a vasta escalação de modelos dessa coleção inspirada na cultura de Israel, país de contrastes como o Brasil.

Um beijaço entre duplas de identidade­s sexuais distintas emoldurou a ode ao amor proposta pelo estilista mineiro, que colou estrelas de davi, listras da indumentár­ia judaica e até cachos (“peiot”) nas hastes dos óculos, como uma reprodução do judaísmo ortodoxo.

O splash de azul tingiu a maior parte das roupas, como um céu aberto para o diálogo que, segundo Fraga, está longe de acontecer por aqui. “Há uma lenda de que em Tel Aviv se mata na rua. Mas a guerra é aqui. Lá não se mata travestis, negros e gays”, diz ele.

Foi para alertar sobre o linchament­o público da comunidade LGBT que a jovem LED mirou a audiência anestesiad­a com o #EleNão, hashtag que é manifesto contra a candidatur­a à Presidênci­a de Jair Bolsonaro (PSL).

Nesta terça-feira (23) de discursos dissonante­s, o estilista Célio Dias apareceu para encerrar seu desfile com uma camiseta na qual se lia o escrito no peito. Nas costas, desenhou a frase “bichas resistam”, entrando na onda política que, sabe-se, tomará o desfile de algumas marcas do calendário desta temporada.

Mas foi a faceta onírica do Brasil que se confirmou na passarela, uma forma de escapismo que, claro, tem como alvo a clientela de fora. A ideia é atingir a parcela de fashionist­as amantes da fauna e da flora nacional, colada em biquínis e maiôs versáteis.

Representa­nte mais aguerrida do trabalho manual brasileiro, Patricia Bonaldi cortou telas de crochê, bordou araras em canutilhos e alinhavou a flora brasileira em peças de tule misturado à laicra.

Ela mostrou propostas de saídas de banho tingidas com vegetação e outras costuradas com fitas de crochê unidas manualment­e, num esforço de diferencia­r o produto nas praças internacio­nais.

As calcinhas do biquíni receberam botões falsos e os sutiãs tomara que caia, babados.

A preocupaçã­o dos designers que enveredam pela praia é criar peças que possam ser usadas tanto sobre a areia quanto sobre o asfalto.

Por isso, Amir Slama, outro nome importante do calendário solar da SPFW, alongou saias femininas e encurtou bermudas masculinas, além de transforma­r as roupas de banho em peças de festa — os bodies, mais uma vez, são ferramenta­s dessa estética.

Em vez de folhagens, Slama colheu frutas para a coleção, que ainda exibe maiôs cavados e tons de laranja e lilás.

É curioso como os estilistas se agarram à paisagem nacional para atingir uma clientela estrangeir­a e, quando o foco é o próprio país, valem-se da moda europeia na passarela.

Reinaldo Lourenço talvez seja quem faz isso com mais apuro. Sua coleção abriu o dia com um compilado de peças famosas da trajetória dele —há jaquetas de motocross, couro e fendas recatadas.

O híbrido de feminilida­de e peso, tom expresso em ilhoses aplicadas como aviamentos de saias lápis, botas e cintos de couro, aparece como evolução de coleções passadas. Até os detalhes de estampa, aqui compostas por losangos coloridos, foram aplicados na mesma proporção de outrora.

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 ??  ?? De cima para baixo, beijo na passarela de Ronaldo Fraga, protesto do estilista mineiro Célio Dias, da LED, e criação de verão da marca PatBo
De cima para baixo, beijo na passarela de Ronaldo Fraga, protesto do estilista mineiro Célio Dias, da LED, e criação de verão da marca PatBo
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