Folha de S.Paulo

Alejandro Zambra e Javier Cercas debatem literatura em tempos de mal-estar

- Maria Luísa Barsanelli Fronteiras do Pensamento Qua. (24), às 20h30, no Teatro Santander, av. Pres. Juscelino Kubitschek, 2.041. Ingr.: R$ 250 a R$ 500

O chileno Alejandro Zambra e o espanhol Javier Cercas são filhos de pátrias cindidas. Nascido em 1975, em Santiago, o primeiro viveu quase toda a ditadura de Pinochet. Já o segundo, 56, vem do povoado de Ibahernand­o, que durante a Guerra Civil Espanhola se dividiu entre quem rechaçava e quem defendia o franquismo.

Eles chegam ao Brasil num momento também cindido do país e participam da conferênci­a desta quarta (24) do ciclo Fronteiras do Pensamento para falar sobre como a literatura se insere num mundo envolto por um mal-estar social.

“A literatura está sempre questionan­do tudo, é sempre uma autocrític­a”, diz Zambra.

“Estamos vivendo o triunfo da mentira”, continua Cercas, que em “O Impostor” mostra como evitamos a verdade quando esta nos desagrada. “E a mentira agrada à política. Mas a literatura não trabalha como a política. A literatura diz coisas incômodas, cria rebeldes —e isso é muito perigoso para o poder.”

São dois escritores que buscam marcas do passado para falar do presente. “O passado, quando ainda há memória e testemunho­s, ainda não passou. É uma dimensão do presente sem a qual o presente está mutilado”, diz o espanhol, que em suas obras trata muito do totalitari­smo franquista, enquanto Zambra bebe na ditadura de seu país.

Em “Formas de Voltar para Casa”, por exemplo, o chileno perpassa a infância sob o regime de Pinochet. Já “Múltipla Escolha” reflete sobre a memória e a educação do país.

E o faz num trânsito de linguagens, sem classifica­r as obras em gêneros. “Acho que os gêneros literários são como camisas que usamos. Elas tomam a forma do nosso corpo. Cada um inventa um pouco seu próprio gênero”, diz o escritor, cuja conferênci­a é intitulada “De Novela, Ni Hablar” (de romance nem se fala).

E é justamente no gênero que se debruça Cercas, autor de best-sellers como “Soldados de Salamina”. “O romance tem uma liberdade absoluta e se alimenta de outros. É nessa maleabilid­ade que está o seu caráter revolucion­ário.”

Segundo ele, a função do romance não seria dar soluções claras, mas fazer perguntas e dar respostas ambíguas e irônicas, que levem à reflexão.

“A função da literatura é mostrar a realidade de forma mais complexa do que parece ser. Um bom romancista é o oposto de um bom político. Este pega um tema complexo e o resolve da maneira mais rápida possível. Um bom novelista o complica ainda mais.”

Cercas, que desde a infância vive na Catalunha, marcada pelo separatism­o, vê hoje a democracia ocidental em perigo.

“Em 2008 instaurou-se uma crise brutal, só comparável à de 1929. O que 2008 provocou, um populismo nacionalis­ta, é para mim uma máscara moderna e mais leve dos totalitari­smos dos anos 1930. São movimentos antipolíti­cos, líderes carismátic­os e um autoritari­smo”, diz ele, que percebe traços semelhante­s no Brasil.

Zambra concorda: “É brutal que alguém como [o presidenci­ável Jair] Bolsonaro tenha tal popularida­de. As pessoas estão desconhece­ndo sua história, relativiza­ndo a ditadura.”

“A história nunca se repete exatamente”, continua Cercas. “Mas às vezes cometemos os mesmos erros do passado.”

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