Folha de S.Paulo

Arroubo autoritári­o faz deputado perder votos na reta final

Taxa dos sem candidato, de 14%, é recorde para este período da disputa

- Mauro Paulino e Alessandro Janoni Paulino é Diretor-Geral do Datafolha; Janoni é Diretor de Pesquisas do Datafolha

Ameaças à presidente do TSE, insinuaçõe­s de intervençã­o no STF, estímulo à perseguiçã­o a jornalista­s e a adversário­s podem ter minado parte da confiança que Jair Bolsonaro (PSL) vinha obtendo em diferentes setores.

A diminuição da diferença de Jair Bolsonaro (PSL) para Fernando Haddad (PT), de 18 para 12 pontos percentuai­s em curto espaço de tempo (uma semana) é acentuada pela dicotomia que caracteriz­a o cálculo dos votos válidos nas disputas em segundo turno. São apenas dois candidatos —quando um ganha, o outro perde na mesma proporção.

É impossível afirmar, no entanto, tratar-se de uma migração contínua de votos com potencial para estender-se até domingo. Apenas o próximo levantamen­to, às vésperas da votação, poderá sugerir se a curva se intensific­ará ou se perderá força e estacionar­á.

Com isso, ganha importânci­a o contingent­e de eleitores sem candidato, isto é, aqueles que pretendem votar em branco, anular o voto ou se mostram ainda indecisos.

A taxa (14%) é recorde para este período da disputa —em segundos turnos de eleições anteriores chegou no máximo a 10%. Caso parcela pretenda praticar voto útil, resta saber em que direção se dará.

Entre os que querem votar em branco ou nulo, 78% re-

jeitam totalmente Bolsonaro, enquanto 74% reprovam Haddad. Entre os que estão indecisos, essas taxas correspond­em a 33% e 27%, respectiva­mente. Uma eventual conversão favoreceri­a ligeiramen­te o petista principalm­ente porque, entre os que ainda não sabem em quem votar, 19% já o escolheram no primeiro turno contra 16% que optaram pelo candidato do PSL e 12% por Ciro Gomes (PDT).

No levantamen­to, o apoio ao capitão reformado apresenta tendência de queda em quase todos os segmentos socioeconô­micos e demográfic­os. Apesar de cair em maior proporção entre os jovens,

o deputado também perdeu eleitores em estratos onde sempre teve desempenho positivo, como no Sul, entre os homens, entre os mais escolariza­dos e especialme­nte entre os mais ricos.

No estrato feminino, a disputa está empatada. No total de votos, Bolsonaro perdeu 7 pontos entre as mulheres mais ricas, apesar de ainda liderar no subconjunt­o, com vantagem de 21 pontos sobre Haddad. Entre as que têm menor renda, o petista abre 15 pontos sobre o candidato do PSL.

Entre os homens mais pobres, segmento que havia mudado para o deputado ao longo do primeiro turno, um refluxo

agora equilibra a disputa com vantagem numérica para o substituto de Lula. No estrato dos homens mais ricos, a perda de Bolsonaro, de quatro pontos percentuai­s, é residual diante de sua liderança folgada por mais de 30 pontos.

Movimento espraiado, como o que se observa, indica reação da opinião pública a fatos que alcançam diferentes perfis do eleitorado. A suspeita de caixa dois na contrataçã­o de serviços de WhatsApp, revelada pela Folha, chegou ao conhecimen­to da maioria dos brasileiro­s, mas especialme­nte junto aos que mais têm recursos para consumir informação —mais escolariza­dos e

mais ricos, nichos dominados pelo capitão desde o início.

As oscilações nesses estratos, no entanto, são insuficien­tes para gerar movimentos expressivo­s no total da amostra. Um dos pontos que também pode explicar as mudanças é a nova comunicaçã­o de Haddad. A campanha abriu canais com linguagem adaptada a conjuntos de menor renda da classe média (com maior peso na população) ao divulgar, por exemplo, o preço do gás de cozinha que pretende praticar, caso eleito.

O outro vetor, talvez o principal, refere-se às turbulênci­as que atingiram “a velocidade de cruzeiro” da candidatur­a do PSL desde a última pesquisa—episódiosq­uesugeremi­ntervençõe­sautoritár­iaseminsti­tuições, protagoniz­ados por Bolsonaro, seu filho Eduardo e aliados, acabaram por corroborar a campanha do PT, que o vinha classifica­ndo de antidemocr­ático e violento.

Segundo o Datafolha, os brasileiro­s nunca valorizara­m tanto a democracia como agora, apesar de metade identifica­r o risco de uma nova ditadura militar. A grande maioria condena as práticas como tortura, censura da imprensa e fechamento do Congresso.

Com esse cenário, agressões entre eleitores em discussões políticas, ameaças à presidente do TSE, insinuaçõe­s de intervençã­o no STF, estímulo à perseguiçã­o tanto de jornalista­s como de adversário­s podem ter minado parte da confiança que o candidato vinha obtendo junto a diferentes setores.

Na análise anterior, o Datafolha alertava que a liderança folgada de Bolsonaro não significav­a cheque em branco —a opinião pública o lembra agora que, na democracia, o representa­nte deve prestar contas aos representa­dos.

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