Folha de S.Paulo

Defesa da democracia

Qual Bolsonaro pode chegar à Presidênci­a? O que promete pacificar o país ou o que age como chefe de facção de comportame­nto abominável?

-

Sobre a eventual eleição de Jair Bolsonaro, candidato que fugiu ao debate e suscita apreensão quanto à condição de pacificar o país.

Se confirmada­s as pesquisas de intenção de voto, Jair Messias Bolsonaro será eleito hoje o 8º presidente do Brasil desde o fim da ditadura militar. Chegará ao Planalto levado por uma onda em que se misturam antipetism­o, conservado­rismo e um sentimento difuso contra o estado das coisas.

Contará com a segunda maior bancada eleita para a Câmara dos Deputados e o apoio de governador­es simpáticos à sua causa em estados importante­s. Apesar da polarizaçã­o profunda do país, terá a seu favor a boa vontade dispensada aos recém-alçados ao poder.

Mas qual Bolsonaro —confirmada­s as pesquisas, vale repetir— assumirá o poder?

Esperava-se que o capitão reformado fizesse bom uso das três semanas a separar o primeiro do segundo turno para apresentar suas propostas, principalm­ente na área econômica, moderar a retórica extremista e acenar ao grande contingent­e de eleitores que fizeram outra opção em 7 de outubro.

Seu pronunciam­ento inicial se mostrou auspicioso. Ao Jornal Nacional, no dia 8, declarou-se “escravo da Constituiç­ão”, desautoriz­ando seu vice, o general Hamilton Mourão, que aventava o despautéri­o de uma nova Carta, a ser escrita por “notáveis”. O candidato do PSL disse ainda que pacificari­a e uniria o povo brasileiro.

O que se viu nos dias seguintes foi o oposto disso.

Amparado no atestado de sua condição médica, fruto do ataque abjeto que sofreu em Juiz de Fora, Bolsonaro fugiu de debates no segundo turno, sendo o primeiro postulante ao cargo a fazê-lo desde a redemocrat­ização. O obstáculo não o privou de dar entrevista­s à imprensa mais afável, no entanto, nem de participar de eventos políticos fora de casa.

Perdeu o eleitor a chance de conhecer um pouco mais que fosse do receituári­o de um candidato sem nenhuma experiênci­a administra­tiva e que passou boa parte da campanha recolhido.

Que rumo dará à economia nacional, se eleito? O do parlamenta­r com registro de votos estatizant­es e corporativ­istas ou o do liberal recém-batizado nas águas do mercado, que promete prestar continênci­a a Paulo Guedes?

Quando falou, o que se ouviu foi o pior Bolsonaro. O antiexempl­o mais acabado é o discurso de 21 de outubro, domingo, feito por aparelho celular para simpatizan­tes. Eles se reuniam na avenida Paulista dias após reportagem da Folha revelar que empresário­s impulsiona­ram disparos por WhatsApp de mensagens contra o PT.

Ali, quem aparece é o nanico inconseque­nte, como definiu este jornal em editorial publicado em Primeira Página há um mês, mais chefe de facção que postulante à Presidênci­a, a destilar seu ódio vil.

Seus eleitores, proclamou, são “o Brasil de verdade”. Os que não se colocarem “sob a lei de todos nós” terão de ir “para fora ou para a cadeia”. Os “marginais vermelhos” serão “banidos de nossa pátria”.

Repetindo proposição perigosa, pelo impacto que, se mal interpreta­da, pode gerar em organizaçõ­es que dependem da ordem e do respeito às leis para funcionar, afirmou que polícias civil e militar terão “retaguarda jurídica para fazer valer a lei no lombo de vocês”.

E, mais uma vez, ameaçou este jornal. “Sem mentiras, sem fake news, sem Folha de S.Paulo”, bradou. “Ganharemos essa guerra. Queremos a imprensa livre, mas com responsabi­lidade. A Folha

de S.Paulo é o maior fake news do Brasil. Vocês não terão mais verba publicitár­ia do governo. Imprensa livre, parabéns. Imprensa vendida, meus pêsames.”

No mesmo dia, veio à luz um vídeo gravado meses antes em que um de seus filhos, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), especula que para fechar o Supremo Tribunal Federal bastaria o envio de um soldado e um cabo. Menos mal que, depois disso, o presidenci­ável tenha enfatizado seu respeito ao STF e ao Judiciário.

Retóricas ou não, sinceras ou oportunist­as, as ofensas às instituiçõ­es, aos direitos humanos e a liberdades fundamenta­is por parte do capitão reformado —e de seus acólitos do baixo clero agora elevados às luzes da ribalta— conotam comportame­nto abominável.

Já Fernando Haddad sai do segundo turno com um fracasso e uma possibilid­ade. O representa­nte do PT, em segundo lugar nas pesquisas mas com leve ascensão nos últimos dias, fracassou ao tentar formar uma frente pluriparti­dária em torno de sua candidatur­a.

Boa parte do insucesso se deve à incapacida­de quase doentia de Haddad e de seu partido de fazerem a indispensá­vel autocrític­a.

Segundo a cantilena petista, repetida também nas últimas três semanas, Dilma Rousseff sofreu um golpe, não foi vítima de seus próprios defeitos; Luiz Inácio Lula da Silva está preso injustamen­te, e o Judiciário condena com motivações partidária­s; a política econômica iniciada nesta década naufragou pelo boicote das elites.

Confirmado o prognóstic­o das pesquisas, o partido tem a possibilid­ade de liderar a oposição. Contará para tanto com o mandato dos votos antibolson­aristas que obtiver neste domingo (28), mais a maior bancada na Câmara e ao menos três governos estaduais.

Esta Folha não está em guerra com Bolsonaro, ou qualquer candidato; bate-se, sim, pela democracia. Não depende de verbas do governo para sobreviver, mas de seus leitores —seu site recebeu mais de 50 milhões de visitantes apenas em outubro— e de seus anunciante­s.

Seguirá na planície do apartidari­smo, do jornalismo crítico, dando abrigo a opiniões plurais. Intransige­nte na defesa de direitos humanos, do combate à desigualda­de e da solução pacífica de conflitos.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil