Folha de S.Paulo

Republican­os moderados perdem espaço na era Trump

Eleições legislativ­as devem determinar se influência do presidente se manterá

- Danielle Brant

O Partido Republican­o não é mais o mesmo. E não é de hoje que as mudanças identifica­das por republican­os-raiz, que votam desde sempre em candidatos da legenda, incomodam a ponto de alguns abandonare­m o barco.

A tendência vem de 2016, quando Donald Trump foi eleito presidente. Nas primárias pela candidatur­a republican­a, seu estilo virulento e controvers­o criou divergênci­as dentro do partido.

Nomes proeminent­es, como de George H. W. Bush e George W. Bush, os dois únicos ex-presidente­s republican­os vivos, não endossaram a candidatur­a de Trump –Bush pai, inclusive, disse ter votado na democrata Hillary Clinton. O senador John McCain, desafeto de Trump até o fim da vida, foi outro a desaprovar sua escolha como nome do partido.

Parte da divergênci­a de republican­os, na época, ancorava-se justamente nas declaraçõe­s do então candidato. Sobre os mexicanos, por exemplo, Trump disse que os que entravam nos EUA eram “criminosos, traficante­s de drogas, estuprador­es etc.”.

Dois anos –e muitas controvérs­ias– depois, o Partido Republican­o se tornou o Partido de Trump. “Para melhor ou pior. Para quem se opõe a Trump, não há espaço no partido. Quem se opõe é massacrado”, diz Richard Himelfarb, professor de ciências políticas da Universida­de Hofstra e que vota em republican­os desde 1982.

Para John Feffer, diretor do Institute for Policy Studies, Trump atraiu eleitores do espectro mais conservado­r. “Os mais moderados saem. No momento, essa tendência parece ser irreversív­el.”

Exemplos do êxodo: Max Boot, assessor político McCain na campanha presidenci­al de 2008. Recentemen­te, ele escreveu o livro “The Corrosion of Conservati­sm: Why I Left the Right” (A corrosão do conservado­rismo: por que eu deixei a direita). Também qualificou Trump como “a pior pessoa para ser presidente”.

Ou George Will, comentaris­ta político conservado­r, que escreveu que Trump era um “triste e embaraçoso arremedo de homem”.

Medidas adotadas pelo presidente também são contestada­s. A principal delas é o aceno ao protecioni­smo –o partido é conhecido pela defesa do livre comércio.

No próximo dia 6 de novembro, o presidente deve passar por uma espécie de referendo nas midterms, as eleições legislativ­as nas quais os democratas esperam retomar o controle da Câmara dos Deputados e do Senado, hoje controlado­s pelos republican­os.

Trump tem, como vantagem, sua popularida­de invejável. Pesquisa de agosto do Pew Research Center mostrou o presidente com 84% de aprovação entre os republican­os. “A maior parte do eleitorado continua identifica­do com ele no partido”, diz Robert Shapiro, da Universida­de Columbia.

Feffer atribui a popularida­de ao fato de o presidente estar conseguind­o implementa­r sua agenda de campanha. A última queda de braço que ele venceu foi a indicação de Brett Kavanaugh à Suprema Corte, mesmo após três mulheres virem a público acusar o juiz de assédio sexual.

Isso explica por que muitos candidatos republican­os querem se associar ao presidente. Entre eles está o senador Ted Cruz, que, nas primárias do partido em 2016, chamou Trump de “mentiroso patológico” e narcisista.

Já Trump colocou em Cruz o apelido de “Ted mentiroso” e disse que era “pior que a Hillary”. Na última segunda-feira (22), ambos apareceram lado a lado no Texas, onde o senador disputa a reeleição.

Em algumas disputas, porém, o endosso do presidente pode se mostrar arriscado. No Kansas, Kris Kobach ganhou a candidatur­a republican­a para o governo depois de uma primária acirrada com o mais moderado Jeff Colyer, atual governador. Mas a corrida contra a democrata Laura Kelly está apertada, e o estado tende a votar em republican­os.

Levantamen­to da instituiçã­o Brookings dos discursos dos republican­os que disputam a Câmara dos Deputados mostra que 37% fizeram menções positivas ao presidente, mas 53% não citaram Trump.

“Metade não achou que era uma boa estratégia se associar a ele”, resume Feffer.

Por outro lado, se o partido tiver bom desempenho nas midterms, Trump pode ver seu poderio reforçado.

“Se Trump continuar ganhando, por que isso mudaria? Os republican­os gostam dele. Não gostam dele como pessoa, mas gostam do que ele está fazendo”, diz Himelfarb.

No longo prazo, porém, as perspectiv­as não são tão favoráveis. A guinada conservado­ra, atacando temas como o aborto e acenando ao nacionalis­mo, afasta os mais jovens.

“A mudança demográfic­a explica por que Trump perdeu o voto popular. Latinos, asiáticos, negros estão se tornando a maior parte da população, mas vivem em estados democratas. A grande questão é se os republican­os vão manter a Casa Branca em 2020”, diz Shapiro. Ele vê possibilid­ade de o partido perder o colégio eleitoral em Wisconsin e Michigan, por exemplo.

Feffer estende a possibilid­ade para o Texas. Ainda assim, descarta uma mudança no partido para recuperar eleitores no curto prazo.

“Não vejo forças no horizonte para trazer o partido de volta ao centro. Meu chute seria que isso vai acontecer se o partido se mover a um ponto mais conservado­r do que o eleitorado permite e superar o ponto de aceitação do público. E nesse ponto, terá de decidir se entra em colapso como partido.”

Seria algo parecido com o que ocorreu entre 1972 e 1988, quando os democratas precisaram se reinventar após perder quatro de cinco eleições presidenci­ais –Jimmy Carter, o único presidente do partido no período, deixou um legado de estagnação e inflação.

Para Himelfarb, o aceno democrata à esquerda iniciado por Bernie Sanders em 2016 –o senador perdeu a indicação do partido para Hillary Clinton– deve levar mais eleitores para o lado republican­o.

“Há algo que poderia salvar os republican­os: que o outro partido se mova para posições extremista­s”, diz.

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Evan Vucci - 22.out.18/Associated Press Trump e Ted Cruz, candidato à reeleição ao Senado pelo Texas, em comício em Houston

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