Folha de S.Paulo

Ferir direitos humanos leva à perda de pontos na redação

Para professora, bom texto expõe discurso crítico, porém conciliado­r

- (Dhiego Maia)

“A melhor decisão a ser tomada é o sacrifício logo após a descoberta da maldição.” Essa foi a solução formulada por um participan­te do Enem em seu texto sobre a inclusão de surdos na educação, tema da redação de 2017. Neste ano, ao escrever algo nesse sentido, ferindo os direitos humanos, o estudante poderá perder até 200 dos 1.000 pontos possíveis. Segundo o manual de redação do Inep (responsáve­l pelo Enem), um dos cinco itens que serão avaliados no texto é a capacidade de “elaborar proposta de intervençã­o para o problema abordado que respeite os direitos humanos”. Até o exame de 2016, quem ferisse os direitos humanos teria a nota zerada. No ano passado, decisão do Supremo Tribunal Federal excluiu esse item entre os critérios que anulavam a prova. Uma boa redação reverbera discurso conciliado­r, mas com crítica, segundo Ana Paula Severiano, professora de produção textual do colégio Stockler, em São Paulo. “O ideal é que mostre ser possível amenizar o problema por meio do exercício da cidadania.” Segundo Severiano, a proposta de intervençã­o é a mais temida pelos estudantes porque pede soluções inteligent­es e factíveis sobre questões que exigem vivência de mundo. É por isso que Frederico Barbosa, professor de redação do Colégio Equipe e ganhador de dois prêmios Jabuti de literatura, vez ou outra esbarra em textos “com propostas genéricas, semelhante­s a discursos de candidatos à Presidênci­a”. Escrever com início, meio e fim é uma tarefa árdua, reconhecem os dois professore­s. A dificuldad­e começa no gênero do exame: o dissertati­voargument­ativo. “Não é um estilo de texto que circula fora da escola”, afirma Severiano. Esse texto tem um formato ortodoxo. Primeiro, é preciso criar uma tese. O passo seguinte é argumentar em defesa de um ponto de vista e, ao final, propor a intervençã­o. Tudo com coesão e coerência. Barbosa explica que o aluno não está a deriva no processo de criação. O tema, diz ele, vem acompanhad­o de textos complement­ares, com dados e trechos de reportagen­s. “Esses excertos não estão lá para serem copiados, mas para estimular uma interpreta­ção crítica”, afirma Barbosa. Dona da nota máxima (mil pontos) na redação do Enem em 2012, Laís Inoue Kurusu, 24, hoje engenheira civil formada pela USP, diz que seguiu à risca o conselho de Barbosa. Naquele ano, o tema foi sobre o movimento imigratóri­o para o Brasil no século 21. “Usei o texto de apoio para orientar o meu pensamento. Consegui trazer pontos de vista além dos que estavam ali.” Para Severiano, o participan­te precisa saber diferencia­r opinião de argumentaç­ão. “Opinião tem a ver com gosto pessoal. Ponto de vista é sustentado pela razão.” A autoria em defesa de um ponto de vista pede um texto original, com informação e alguma percepção pessoal, de acordo com Barbosa. “Mas nunca escreva: eu acho.” E esqueça os verbos conscienti­zar, educar e respeitar. “A banca corretora não espera que o aluno resolva as questões do mundo”, afirma a professora.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil