Folha de S.Paulo

Constituiç­ão acima de todos

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Jair Bolsonaro ganhou nas urnas o direito de usar a faixa presidenci­al. A maioria dos eleitores expressou sua vontade de encerrar o ciclo de disputas entre PT e PSDB e iniciar um novo capítulo de alternânci­a de poder.

Pela primeira vez desde a redemocrat­ização, a direita mais nítida e enraizada que se faz possível neste país de profundas contradiçõ­es chega de forma legítima ao Palácio do Planalto.

Em seus discursos da vitória, o capitão reformado amainou a retórica agressiva que vinha empregando, dirigiu-se genericame­nte a “todos os brasileiro­s” e fez o devido elogio à Constituiç­ão, à democracia e às liberdades.

Reconheça-se o gesto, mas sem deixar de apontar que, durante 27 anos como deputado e ao longo desta eleição, Bolsonaro deu inúmeros sinais de que ignora rudimentos da convivênci­a democrátic­a, como o respeito às instituiçõ­es de Estado, a proteção das minorias e a transigênc­ia com diferentes pontos de vista.

Também demonstrou desconhece­r o papel da imprensa livre nas sociedades modernas. Inconforma­do com uma reportagem, entrou com ação contra três profission­ais deste jornal. Por meio de advogados, sugere que a Folha o transformo­u em alvo e agiu com o propósito de prejudicar sua candidatur­a.

Na melhor das hipóteses, confunde jornalismo independen­te e crítico com atuação partidária. Na pior, pretende intimidar não só esta empresa, obcecada pelo pluralismo e pelo apartidari­smo, mas todos os veículos que se recusem a lhe prestar continênci­a.

Nada há de errado em vociferar contra a imprensa. Todos os antecessor­es do presidente eleito vituperara­m esta Folha —e essa tensão só não teria existido se o jornal tivesse sido menos inquisitiv­o do que deveria.

Mas subsiste uma distância entre o governante que manifesta seu incômodo e aquele que deseja eliminar opositores e silenciar críticos; entre o governante preparado para chefiar uma nação democrátic­a e aquele que não se adapta ao contraditó­rio, ao escrutínio público e à livre circulação de ideias.

Esta Folha ficará onde sempre esteve, confiante na Constituiç­ão de 1988, na força da democracia brasileira e na construção de um país melhor para todos. Já Bolsonaro precisará assimilar as lições que nunca aprendeu e mostrar-se à altura do mandato recebido. Que faça um bom governo.

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