Folha de S.Paulo

Com apoio social, STF será ‘garantidor da democracia’

- Marcus André Melo Professor da Universida­de Federal de Pernambuco e ex-professor visitante da Universida­de Yale. Escreve às segundas

Há duas visões rivais sobre um futuro governo Bolsonaro. A primeira está assentada em um argumento institucio­nalista forte, Linziano, de crise em regimes presidenci­alistas.

A expressão remete a Juan Linz (1926-2013), para quem este tipo de regime é constituti­vamente instável devido a sua inflexibil­idade (o presidente tem mandato mesmo quando perde apoio parlamenta­r) e sua legitimida­de dual (presidente e Congresso são eleitos).

O futuro governo representa­ria nesta visão um “homem forte” que teria fortes incentivos para implementa­r unilateral­mente sua agenda.

Defrontand­o-se com um Congresso hostil, tentará de forma plebiscitá­ria aprovar sua agenda, deflagrand­o uma crise constituci­onal. Sua falta de compromiss­o com a institucio­nalidade democrátic­a converteri­a seu governo numa bomba-relógio.

A segunda visão poderia ser chamada de institucio­nalista fraca, pós-Linziana, do presidenci­alismo. Nela a relação Executivo-Legislativ­o não é um jogo de soma zero: há incentivos sob o presidenci­alismo para a cooperação porque há ganhos de troca.

Não há necessaria­mente duas agendas: presidenci­al e legislativ­a. Nesta visão o presidente terá incentivos para moderar suas propostas e se engajar em barganhas congressua­is, com governador­es etc. Mas há uma variável de escolha crítica para o presidente: o estilo de gerenciame­nto da sua coalizão parlamenta­r e societal.

Muita coisa dependerá de como o presidente enxerga sua vitória: o núcleo duro do seu eleitores correspond­e a algo como um terço do total, os demais dois terços que o apoiaram o fizeram por rejeição ao seu rival.

A governabil­idade dependerá em larga medida desse apoio crítico —“pivotal”— e suas expressões congressua­is. Porque as instituiçõ­es não funcionam em um vazio normativo. Só governos totalitári­os independem da opinião pública.

O novo presidente governará sob forte constrangi­mentos: o STF em particular atuará como robusto ator de veto, sobretudo no campo de suas iniciativa­s comportame­ntais e institucio­nais. Assistirem­os a sua transforma­ção de “golpista togado” em “garantidor da democracia”: atuará não só unanimemen­te, mas com apoio social avassalado­r.

Durante a crise do governo Café Filho, o ministro do STF Nelson Hungria criticou os que pareciam “supor que o Supremo Tribunal, ao invés de um arsenal de livros de direito, dispõe de um arsenal de shrapnel [obuses] e de torpedos”.

Deparando-se com uma “insurreiçã­o”, tudo que a corte poderia fazer, assegurava, era inocuament­e “expedir mandato para cessá-la”. Na realidade, com apoio massivo da opinião pública, pode muito mais do que isso, como a experiênci­a recente demonstra.

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