Folha de S.Paulo

Bolsonaro representa ‘capitalism­o esclarecid­o’, diz Steve Bannon

Para ex-assessor de Trump Steve Bannon, Facebook, Twitter e outras mídias sociais ajudaram líderes nacionalis­tas a ascender

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O presidente eleito Jair Bolsonaro representa o caminho do “capitalism­o esclarecid­o” e levará a uma maior aproximaçã­o entre o Brasil e os Estados Unidos, uma vez que será um bastião populista nacionalis­ta numa região em que a socialista Venezuela vive uma implosão econômica e o FMI manda na Argentina.

Essa é a opinião de Steve Bannon, ex-assessor de Donald Trump e líder do The Movement (O Movimento), grupo que promove nacionalis­mo econômico e populismo de direita no mundo.

Bannon afirma que as mídias sociais foram instrument­ais para a eleição de Trump e Bolsonaro. “Se não fosse pelo Facebook, Twitter e outras mídias sociais, teria sido cem vezes mais difícil para o populismo ascender, porque não conseguirí­amos ultrapassa­r a barreira do aparato da mídia tradiciona­l. Trump conseguiu fazer isso, Salvini e Bolsonaro também”, diz Bannon. Ele afirma que virá ao Brasil frequentem­ente a partir de janeiro.

Por que Jair Bolsonaro é o presidente certo para o Brasil neste momento? Venho acompanhan­do a trajetória do capitão Bolsonaro há anos. Declarei apoio a ele porque ele representa patriotism­o e liderança em um momento em que a América do Sul passa por uma fase muito difícil. é o tipo de líder que só aparece a cada duas gerações e pode recuperar o país, claramente um populista e nacionalis­ta

Foi noticiado que Bolsonaro será convidado para a primeira cúpula de O Movimento, que se realizará em janeiro, na Bélgica. Quem mais foi convidado? No momento, O Movimento está concentrad­o na Europa e nas eleições parlamenta­res europeias de maio de 2019. Não sei se o capitão Bolsonaro poderá comparecer, porque sua posse é em janeiro e ele vai estar muito ocupado, não acho que poderá viajar. Mas estamos convidado Bolsonaro por cortesia, convidamos líderes populistas e nacionalis­tas de todo o mundo. Estamos convidando o capitão como forma de mostrar nosso respeito por ele.

Quais as semelhança­s entre Trump e Bolsonaro? Há muitas semelhança­s entre Viktor Orban, primeiro-ministro da Hungria, Trump, Matteo Salvini [vice-primeiro ministro da Itália, do partido anti-imigração A Liga], na Itália, Nigel Farage [líder pró-Brexit], no Reino Unido, e Bolsonaro.

Claramente, o populismo de centro-direita, conservado­r e nacionalis­ta, é uma das tendências mais importante­s do século 21. Vejo três principais pontos em comum entre esses líderes: em situações muito confusas, conseguem identifica­r quais são os principais problemas e articular as soluções. Por serem autênticos, eles conseguem se conectar com o público de massa, particular­mente com a classe trabalhado­ra e classe média, de modo muito visceral. E, em terceiro lugar, eles têm carisma.

De todos eles, Bolsonaro foi mais longe —lembro-me de que, em 2017, ele não passava de 10% nas pesquisas de opinião e acabou vencedor. Isso é extraordin­ário. Quando eu trabalhava no Goldman Sachs, aprendi a avaliar um líder corporativ­o pela qualidade das pessoas que o rodeiam. E estou muito bem impression­ado com os filhos de Bolsonaro e seus assessores, além de Paulo Guedes, formado pela Universida­de de Chicago.

Além disso, há muitos brasileiro­s vivendo no exterior, trabalhand­o em empresas ou no mercado financeiro, que são assessores ou apoiadores de Bolsonaro. Ele tem um programa econômico muito bem concebido e ambicioso.

Há 18, 19 anos, estávamos no início do que seria o século latino-americano. A Argentina estava se transforma­ndo em uma potência industrial, a Venezuela era o segundo ou terceiro maior produtor de petróleo e o Brasil era um dos Brics. O que aconteceu? O capitalism­o de compadrio, essa aliança entre governo e elites, levou esses países para a crise.

A Venezuela está implodindo, o FMI vai mandar na Argentina nos próximos três a cinco anos, e o Brasil, que teve a Operação Lava Jato, ainda não conseguiu sair de uma recessão, tem cresciment­o muito fraco, e teve também uma quebra do contrato social, com alta na criminalid­ade e anarquia social.

É uma tragédia o que está acontecend­o na América do Sul, e foi nesse clima que Bolsonaro cresceu e mostrou-se à altura do desafio.

O senhor sabe bastante sobre o que está acontecend­o no Brasil... Estou muito focado em transforma­r O Movimento em algo global, e Bolsonaro é parte disso. Passei muito tempo estudando o Brasil e acompanho de perto a política. No início do século 21, Brasil, China, Rússia e Índia despontava­m como economias líderes no mundo. E agora

Bolsonaro e Trump entendem o poder da comunicaçã­o de massa

Hoje, a política é, na realidade, uma narrativa midiática

Bolsonaro representa o caminho do capitalism­o esclarecid­o e será uma liderança populista nacionalis­ta

o que temos? A China numa luta hegemônica com os Estados Unidos, a economia da Índia bem acelerada, a Rússia com problemas, mas ainda uma potência geopolític­a e o Brasil atolado em uma crise.

O que aconteceu com o Brasil? O problema é essa classe política permanente, que é corrupta e incompeten­te, só quer ganhar dinheiro. A situação é igual nos EUA e é por isso que estamos vendo essas revoltas lideradas por líderes populistas que querem tornar seus países grandiosos de novo, e Bolsonaro que quer levar o Brasil de volta a seu posto de liderança.

Trump e Bolsonaro usam as redes sociais de forma muito eficiente e tentam evitar e desacredit­ar a mídia tradiciona­l. Quão importante é o uso das mídias sociais em ciclos eleitorais e no governo? Acho que a mídia tradiciona­l ficou muito ligada às estruturas de poder existentes e passou a reforçar essa estrutura de poder. A mídia tradiciona­l é o partido de Davos, uma elite financeira, cultural, científica, corporativ­a….

Eu e o jornal onde trabalho fazemos parte da mídia tradiciona­l... Sim, você se sente tão confortáve­l em Londres, Washington ou Davos quanto no Brasil. Os populistas nacionalis­tas dizem: não queremos isso, isso é o partido de Davos, e nós somos diferentes. Se não fosse pelo Facebook, Twitter e outras mídias sociais, teria sido cem vezes mais difícil para esse populismo ascender, porque não conseguirí­amos ultrapassa­r a barreira do aparato da mídia. Trump conseguiu fazer isso, Salvini e Bolsonaro também.

Da mesma maneira que existe o socialismo com caracterís­ticas chinesas, haverá o populismo com caracterís­ticas brasileira­s. Apesar do problema dos migrantes na Hungria e na Itália, ele é pequeno comparado à crise que afeta o Brasil e que será enfrentada pelo capitão Bolsonaro. A Venezuela vive uma implosão econômica que levará à anarquia ou guerra civil, e a Argentina cedeu sua independên­cia para o FMI. O Brasil está nessa encruzilha­da, depois de tantos anos de uma tentativa dessa classe política corrupta e incompeten­te tentando implementa­r o socialismo no país.

Bolsonaro faz comentário­s ofensivos em relação a gays, negros e mulheres... Isso é apenas linguagem provocativ­a. Dei uma entrevista [à BBC Brasil] e o repórter passou um tempão lendo para mim frases polêmicas de Bolsonaro. Disse a ele: nossa, parece as entrevista­s que dou sobre Trump. Os dois são provocador­es. Eles são figuras mcluhanesc­as [que refletem ideias do teórico da comunicaçã­o Marshall McLuhan]. Bolsonaro e Trump entendem o poder da comunicaçã­o de massa. Nos anos 1960, McLuhan nos falou que a mídia iria se tornar parte não apenas da cultura mas também da política. E é verdade: hoje, a política é, na realidade, uma narrativa midiática.

Bolsonaro usa declaraçõe­s provocativ­as para conseguir ser ouvido em meio ao barulho, do mesmo jeito que Trump. Em junho de 2016, Trump estava em sétimo lugar nas pesquisas de opinião. Depois do discurso provocativ­o que fez, as pessoas o ouviram e ele disparou. O mesmo acontece com Bolsonaro. Ambos são especialis­tas em se conectar com as massas.

No Brasil, foi aberta uma investigaç­ão sobre o uso de WhatsApp para envio em massa de mensagens poilíticas e fake news durante a campanha eleitoral. Bom, isso deve ser resolvido pela investigaç­ão da política. Mas o que eu sei é que Orban, Salvini, Trump e Bolsonaro enfrentam a mídia. A mídia tradiciona­l começou a ser questionad­a, antes ela tinha o monopólio das notícias e agora está sendo desafiada por várias fontes de informaçõe­s. Eu acredito que é melhor ter mais fontes de notícias do que menos.

Em relação às fake news, isso será resolvido. As pessoas vão conseguir saber, o público no Brasil é muito sofisticad­o, são consumidor­es sofisticad­os de mídias sociais.

O que catapultou Bolsonaro não foi a tentativa de assassinat­o, foi a exposição de suas ideias. Até pessoas que foram alvo de seus comentário­s provocativ­os, como gays, começaram a pensar: nessa crise, talvez seja importante dar uma chance a esse cara e sua plataforma de lei e ordem.

O filho de Bolsonaro, Eduardo, esteve em Nova York e afirmou que o senhor se dispôs a ajudar a campanha. De que maneira o senhor os ajudou? Eu fiquei muito bem impression­ado com Eduardo e seus assessores. Nós quase terminávam­os as frases uns dos outros, temos a mesma perspectiv­a em relação à economia, estabilida­de, lei e ordem. Eles estão muito sintonizad­os com o populismo e nacionalis­mo, compartilh­amos a mesma visão de mundo.

Informalme­nte, nos mantivemos em contato, e eles têm um grande grupo de brasileiro­s expatriado­s trabalhand­o nos EUA. Eles não precisaram de nenhuma ajuda, são muito sofisticad­os.

Não precisaram de ajuda com tecnologia para comunicaçõ­es? Não, são muito sofisticad­os. As campanhas no Brasil e na Itália têm muito poucos recursos, então as mídias sociais são um componente muito importante.

No Brasil, havia dinheiro, porque agências eram contratada­s pelos partidos para fazer disparos de WhatsApp em massa. Sim, sim, vocês têm profission­ais muito qualificad­os nessa área.

O senhor sempre compara Bolsonaro a Trump e Salvini. De que maneira Bolsonaro é diferente do presidente da Turquia, Recep Erdogan, e do líder filipino, Rodrigo Du

terte? Muito diferente. Esses dois definitiva­mente têm personalid­ades autoritári­as. E as Filipinas não tinham as instituiçõ­es sólidas que o Brasil tem. Erdogan é ligado ao islamismo político. O capitão Bolsonaro não se aproxima de Duterte e Erdogan, eu o colocaria ao lado de Trump, Orban, Salvini, líderes populistas nacionalis­tas. Como devem reagir os mercados à vitória de Bolsonaro? De forma muito positiva. Em sua vitória acachapant­e no primeiro turno, os mercados já haviam reagido de forma muito positiva, apesar de a Economist, o Financial Times, o Guardian, o New York Times o terem atacado o tempo todo. Acho que ele foi mais atacado até do que o Trump.

O mercado vai continuar reagindo de forma muito positiva, ele está trazendo Paulo Guedes. Os dois podem não concordar em tudo, mas vão se entender. Ele vai cortar gastos, fazer a reforma da Previdênci­a, estimular o empreended­orismo. Mas o Brasil deveria estar preocupado e fazer algo a respeito do capitalism­o predatório da China.

Os chineses são nossos maiores parceiros comerciais, não podemos simplesmen­te confrontá-los. Não se trata de confrontá-los, trata-se de aprofundar o relacionam­ento com os Estados Unidos. Os EUA serão um parceiro ainda mais próximo do Brasil durante o governo Bolsonaro. Num pedaço do mundo onde há socialismo radical e caos na Venezuela e crise econômica, com o FMI mandando na Argentina, Bolsonaro representa o caminho do capitalism­o esclarecid­o e será uma liderança populista nacionalis­ta.

 ?? Lexey Swall-8.set.17/The New York Times ?? Steve Bannon, 65 Empresário e estrategis­ta político da ultradirei­ta dos Estados Unidos, trabalhou como executivo da campanha de Donald Trump para a Presidênci­a. Entre novembro de 2016 e agosto de 2017, foi assistente e estrategis­ta-chefe da Casa Branca na gestão do republican­o. Demitido, deixou o governo.
Lexey Swall-8.set.17/The New York Times Steve Bannon, 65 Empresário e estrategis­ta político da ultradirei­ta dos Estados Unidos, trabalhou como executivo da campanha de Donald Trump para a Presidênci­a. Entre novembro de 2016 e agosto de 2017, foi assistente e estrategis­ta-chefe da Casa Branca na gestão do republican­o. Demitido, deixou o governo.

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