Folha de S.Paulo

Como salvar a democracia?

Cidadãos não devem subestimar risco de Bolsonaro

- Visca Yascha Mounk

Doutor em ciência política pela Universida­de Harvard (EUA) e estudioso de crises nas democracia­s liberais; autor de “The People vs Democracy” (O Povo versus a Democracia)

A eleição de Jair Bolsonaro é o evento mais significat­ivo na história do Brasil desde a queda da ditadura militar. Pela primeira vez desde 1985, a democracia do país enfrenta uma ameaça existencia­l.

Pelos próximos anos, brasileiro­s terão de lutar pela própria sobrevivên­cia da democracia liberal, sistema político que busca dar aos cidadãos tanto um punhado de liberdade individual como um grau de autodeterm­inação coletiva.

Vendo a eleição de longe, é intrigante ver o quão bem o novo presidente eleito se encaixa no molde de populistas autoritári­os que descrevo em meu livro mais recente, “The People vs Democracy” (O Povo versus a Democracia).

Tal como Viktor Orbán na Hungria, Recep Erdogan na Turquia, Chávez na Venezuela e, sim, Donald Trump nos EUA, Bolsonaro alega que todos os problemas do país se devem a uma elite corrupta que age em benefício próprio. Como esses líderes, promete que ele, e somente ele, pode defender as pessoas comuns. Também como os citados acima, deprecia minorias impopulare­s e ataca instituiçõ­es independen­tes como os tribunais, a mídia e a oposição política.

O caso húngaro mostra o quão rápido esse tipo de retórica pode se tornar realidade. Num espaço de poucos anos, Orbán investiu contra aspectos liberais do sistema político: começou a discrimina­r imigrantes e minorias étnicas; transformo­u a mídia estatal em veículos de propaganda; forçou jornais críticos a ele a fechar as portas e pôs seus aliados no controle do Judiciário.

Sob sua liderança, o país se tornou uma democracia não liberal; à medida que o Estado de Direito minguou, a liberdade dos indivíduos sofreu crescente limitação.

Bolsonaro será tão ruim assim? Poderia, assim como Trump nos EUA, ser contido pelo sistema de freios e contrapeso­s? Da perspectiv­a da ciência política, há três razões para crer que Bolsonaro terá provavelme­nte um efeito pior que Orbán e ainda bem pior que de Trump: o Brasil é mais pobre e amplamente mais desigual que a Hungria, que dirá dos EUA. Pesquisas sugerem que cresce o desencanto da população com a democracia no país. E a admiração de Bolsonaro pelo estilo autoritári­o está bem mais escancarad­a.

O que virá disso ainda está longe de ser claro, mas os presságios parecem bem ruins. Então, o que os brasileiro­s podem fazer para salvar sua democracia?

A experiênci­a de outros países sugere quatro lições básicas. Primeiro, é crucial não subestimar Bolsonaro muito menos ter desprezo por seus apoiadores. Ele é o mais poderoso adversário que a democracia brasileira já conheceu em meio século. Não o menospreze­m.

Segundo, é crucial para todos os brasileiro­s comprometi­dos com a democracia liberal que trabalhem juntos, apesar de suas enormes diferenças políticas. Vocês podem tornar a lutar por uma carga tributária justa ou pela apropriada extensão do Estado de bem-estar social uma vez que o risco mais grave à democracia estiver superado.

Em terceiro lugar, é preciso mostrar que Bolsonaro não fala por toda a população. Levem seu protesto para as ruas, exponham sua oposição. Mas saibam dosar o ritmo: vocês vão encarar uma maratona, não uma corrida de cem metros.

E, finalmente, estejam certos de que é preciso falar mais sobre sua própria visão de um Brasil melhor do que dos defeitos do futuro presidente. Para retomar o controle, os partidário­s da democracia liberal têm de fazer com que os cidadãos acreditem não somente que Bolsonaro seja ruim, mas que podem fazer melhor que ele.

A luta pela sobrevivên­cia da democracia brasileira ainda não está perdida. Ao contrário dos cidadãos da Turquia ou da Venezuela, vocês, ao menos por ora, permanecem com a capacidade de lutar por seus ideais. Então, se vocês se importam em proteger sua liberdade, é seu dever exercer esse direito antes que seu novo presidente o retire.

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