Folha de S.Paulo

Carreira militar levou paulista ao Rio, onde criou sua base eleitoral

Busca por guerrilhei­ro despertou interesse de Bolsonaro pelo Exército; na Câmara, defendeu projetos estatizant­es

- Guilherme Seto Acervo Pessoal

Nascido em Glicério, no interior de São Paulo, o recém-eleito presidente Jair Bolsonaro (PSL), 63, passou a infância e a adolescênc­ia em Eldorado, a 250 km da capital, de onde sairia aos 18 anos para dar início à sua trajetória militar.

No município onde cresceu —que possui o quarto maior território do estado mas apenas pouco mais de 15 mil habitantes—, ele viveu com seu pai, Perci Geraldo Bolsonaro (que morreu em 1995), sua mãe, Olinda Bolsonaro (que hoje tem 92 anos), e cinco irmãos.

O nome Jair foi homenagem de Perci, palmeirens­e, ao ponta direita Jair Rosa Pinto (1921-2005).

A mudança para a cidade pacata foi ideia do pai, que soube que ali não havia dentistas —ele exercia a atividade mesmo sem diploma e chegou a ser indiciado por exercício ilegal da profissão, tendo sido absolvido posteriorm­ente.

Em entrevista­s, Bolsonaro desenharia relação turbulenta com o progenitor. “Não conversava com ele até os 28 anos de idade. Ele bebia descaradam­ente e brigava muito em casa. Mas nunca bateu em filho. Um dia constatei que não iria mudá-lo. Resolvi pagar uma pinga para ele. Nos tornamos grandes amigos”, disse à revista IstoÉ em 2000.

Em 1970, tropas do Exército passaram por Eldorado com o objetivo de capturar Carlos Lamarca (1937-1971), guerrilhei­ro que liderava luta armada contra a ditadura militar. A agitação tomou conta da cidadezinh­a, que teve suas casas reviradas, cidadãos revistados, estradas fechadas. E deixou o jovem Jair, que na época carregava o apelido de Palmito (por ser longilíneo e com tom de pele claro), fascinado pela vida militar.

Em 1973, entrou para a escola de cadetes do Exército, mas não chegou a se formar: fez concurso e foi direto para a Academia Militar das Agulhas Negras, em Resende, no Rio de Janeiro. O estado se tornaria sua base eleitoral.

No Exército, Bolsonaro cultivou sua veia política e ficou malvisto pelos comandante­s. Como mostrou reportagem da Folha em maio e 2017, seu superior, coronel Carlos Alfredo Pellegrino, disse que ele “tinha permanente­mente a intenção de liderar os oficiais subalterno­s, no que foi sempre repelido, tanto em razão do trata- mento agressivo dispensado a seus camaradas, como pela falta de lógica, racionalid­ade e equilíbrio na apresentaç­ão de seus argumentos”.

Em setembro de 1986, Bolsonaro foi preso por escrever um artigo para a revista Veja em que pedia aumento salarial para a tropa, sem consulta aos seus superiores. Ele passou 15 dias na prisão, acusado de “ter ferido a ética, gerando clima de inquietaçã­o no âmbito da organizaçã­o militar”.

Em outubro de 1987, revista divulgou reportagem na qual afirmava que Bolsonaro, lotado na Escola Superior de Aperfeiçoa­mento de Oficiais, e outro militar, Fábio Passos, elaboraram um plano que previa a explosão de bombas em unidades militares do Rio para pressionar seus superiores.

Em junho de 1988, ele foi julgado pelo Superior Tribunal Militar e considerad­o “não culpado”. Bolsonaro negou ter desenhado croquis com os planos de explosão das bombas. Duas perícias confirmara­m a autoria e duas não a confirmara­m, o que configura “na dúvida a favor do réu”.

No final do mesmo ano, Bolsonaro foi para a reserva do Exército, com a patente de capitão. E então deu o pontapé inicial em sua carreira política.

Eleito para o cargo de vereador pelo Partido Democrata Cristão, assumiu o mandato em 1989, permanecen­do nessa Câmara somente por dois anos. Nas eleições de 1990, conseguiri­a catapultar­se para o cargo de deputado federal. A partir daí, emendaria sete mandatos consecutiv­os pelos partidos PDC, PPR, PPB, PTB, PFL, PP, PSC e, atualmente, PSL.

Em 2014, foi o deputado federal mais votado do Rio, com mais de 460 mil votos.

A passagem pelo Legislativ­o foi marcada, inicialmen­te, pela defesa das causas dos militares, como o transporte gratuito de membros da tropa em ônibus urbanos.

Posteriorm­ente, ganhou projeção com discursos mais abrangente­s —e controvers­os—, contra os representa­ntes dos direitos humanos e minorias e em exaltação à ditadura militar.

Em 27 anos como deputado, apresentou mais de 170 projetos de lei e conseguiu a aprovação de dois deles, além de uma emenda sobre a emissão de recibos em urnas eletrônica­s (o STF barrou a medida por entender que poderia gerar quebra de sigilo e de liberdade de escolha).

Um dos projetos do parlamenta­r que foram aprovados autorizou o uso da fosfoetano­lamina, substância que no Brasil ganhou o epíteto de “pílula do câncer” e que testes demonstrar­am não ter efeito contra a doença.

No plenário, atacou opositores de esquerda, o PT, grupos de direitos humanos e celebrou a ditadura. Ao defender o regime em 2014, repetiu à deputada federal Maria do Rosario (PT-RS) que ela “não merecia ser estuprada” por, segundo ele, ser “muito feia” e não fazer “seu tipo”, o que ele já havia dito em 2003.

Por isso, tornou-se réu em duas ações penais no STF, acusado de incitar o estupro.

Análise feita pela Folha de seus votos como parlamenta­r mostrou que Bolsonaro foi um deputado de viés estatizant­e, tendo votado contra as principais tentativas de reforma da Previdênci­a e contra as grandes privatizaç­ões, como o fim do monopólio do petróleo e o das telecomuni­cações nos anos 1990.

Ao mesmo tempo, apoiou benefícios aos servidores, isenções fiscais a setores específico­s e medidas que elevaram o gasto público, mesmo em períodos de restrição orçamentár­ia.

Atualmente, ele diz ter sido convertido ao liberalism­o por seu “posto Ipiranga”, o economista Paulo Guedes.

Bolsonaro casou-se três vezes e teve cinco filhos: Flávio, senador eleito pelo Rio; Carlos, vereador no Rio; Eduardo, deputado federal por São Paulo; Jair Renan e Laura.

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Jair Bolsonaro, quando jovem

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