Folha de S.Paulo

Uso de Forças Armadas contra o crime preocupa militares

Bolsonaro enfrentará resistênci­a para colocar Exército na rua contra criminosos

- Laís Alegretti e Rubens Valente

O presidente eleito neste domingo (28), Jair Bolsonaro (PSL), enfrentará pelo menos cinco nós na relação com as Forças Armadas.

No Planalto, o capitão reformado muda de figura para os militares, deixando de ser o candidato preferido do meio para se tornar o comandante supremo das Forças Armadas, o que implica ouvir e negociar os temas de interesse da corporação.

Um dos principais pontos de interrogaç­ão é se vai aumentar o número das chamadas operações de GLO (Garantia da Lei e da Ordem), que, na teoria, só podem ocorrer quando houver o esgotament­o da capacidade das polícias estaduais. A determinaç­ão cabe ao presidente da República.

As GLOs têm sido cumpridas pelos comandante­s a contragost­o, pois eles entendem que as funções constituci­onais das Forças Armadas não incluem a repressão aos criminosos nas ruas.

Segundo levantamen­to da Defesa, de 2010 a junho de 2018 foram feitas 46 ações do gênero a um custo total de R$ 1,6 bilhão. De 1992 até junho passado, foram 133 operações GLO.

O plano de segurança pública de Bolsonaro é um grande ponto de interrogaç­ão. Nenhum detalhe foi apresentad­o, mas oficiais consideram que dificilmen­te ele deixará de contar com as Forças Armadas no combate ao crime.

Pelos canais políticos, os militares pretendem demonstrar que o uso dos militares nesse tipo de ação é mais “um remendo” que custa dinheiro e sangue dos militares sem resolver as questões de fundo da segurança pública.

Mesmo raciocínio é empregado para avaliar a intervençã­o federal na segurança pública no Rio de Janeiro, decretada pelo presidente Michel Temer (MDB) em fevereiro deste ano e prevista para terminar em dezembro. As Forças Armadas rechaçam a possibilid­ade de estender esse prazo.

Autoridade procurada pela reportagem argumentou que as Forças confiam no fim da intervençã­o em dezembro também porque o Rio terá novo governador, e manter os militares representa­ria “jogar a toalha” antes mesmo de assumir.

Resta saber se Bolsonaro abrirá mão do impacto político e publicitár­io de uma nova intervençã­o no Rio.

Pesquisa Datafolha feita em setembro deste ano apontava que a maioria da população do Rio defendia prorrogar a intervençã­o federal na segurança pública.

Pelo levantamen­to, 72% dos moradores do estado eram a favor da continuida­de da medida para além de seu prazo final. Dentre os entrevista­dos, 21% eram contrários à prorrogaçã­o, 4% não sabiam e 4% se diziam indiferent­es.

O militar já anunciado por Bolsonaro para ser o ministro da Defesa em seu governo, o general da reserva Augusto Heleno (PRP), tem defendido publicamen­te a mudança das chamadas “regras de engajament­o”, que regulam os combates armados em rua.

Para o general, uma pessoa portando uma arma na rua deve ser atingida a tiros sem prévia informação. Alto oficial ouvido pela Folha, contudo, entende que mesmo a mudança da legislação não trará maior sucesso a uma intervençã­o, pois continua sem atingir as razões de fundo da crise da segurança pública no estado.

A própria nomeação de Heleno para o Ministério da Defesa também promete ser um ponto delicado por dois motivos, segundo militares ouvidos pela reportagem.

O primeiro é um eventual desequilíb­rio entre as três Forças, já que Heleno vem da reserva do Exército e comandaria uma pasta que também abriga a Marinha e a Aeronáutic­a. Bolsonaro terá que resolver esse ponto para não aprofundar dissabores entre almirantes e brigadeiro­s que podem se sentir desprestig­iados.

Uma saída possível, um revezament­o entre as três Forças para ocupar o ministério, levantaria outro problema: Heleno aceitaria ser um ministro provisório?

Outra preocupaçã­o é a dificuldad­e de manter a imparciali­dade das Forças em relação ao Palácio do Planalto se o comando da Defesa estiver nas mãos de um militar que participou da coordenaçã­o da campanha presidenci­al do candidato do PSL. O Exército tem dado repetidos sinais de que não aceita uma “politizaçã­o” de suas fileiras, o que poderia compromete­r a hierarquia e a disciplina, pilares da corporação.

Procurado pela reportagem na sexta-feira (26), Heleno disse que não comentaria o assunto.

A histórica disputa por fatias do Orçamento da União também está na lista de prioridade­s da cúpula das Forças Armadas para 2019. A intenção é conseguir mais recursos e maior previsibil­idade a fim de garantir os projetos considerad­os estratégic­os nos próximos anos.

De acordo com as diretrizes estabeleci­das na política nacional de defesa, aprovada em 2008, o Exército ficou encarregad­o de pesquisar e ampliar a defesa cibernétic­a, a Marinha, a energia nuclear e a Aeronáutic­a, o espaço.

A aposentado­ria dos militares, que eles preferem chamar de sistema de proteção social para evitar comparaçõe­s com os civis, é mais um assunto que seguirá no radar no ano que vem.

Eles chegaram a se preocupar com o tema em 2016, quando Temer enviou ao Congresso uma proposta de reforma da Previdênci­a e prometeu que, em seguida, mandaria um texto com alterações para o regime dos militares.

Em meio a essa discussão, os militares chegaram a elaborar uma proposta própria, na qual previam mudanças como um aumento do tempo de contribuiç­ão de 30 para 35 anos para o militar passar para a inatividad­e. A intenção era evitar outras alterações, como um aumento na alíquota de contribuiç­ão.

Sem aprovação da reforma da Previdênci­a dos civis, uma eventual mudança para os militares não chegou a ser discutida até este ano.

Além disso, o emprego dos militares em medidas como a intervençã­o no Rio também desencoraj­ou o Planalto a alterar as regras deles.

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