Folha de S.Paulo

Plano de Bolsonaro para segurança ainda é incógnita no setor

- Rubens Valente e Camila Mattoso

Um dos principais temas usados pela campanha de Jair Bolsonaro (PSL) à Presidênci­a, a segurança pública permanece um ponto de interrogaç­ão entre os órgãos da União que atuam no setor.

Bolsonaro e seu núcleo de campanha não explicaram o que pretendem fazer nem quem seriam os prováveis candidatos a dirigir a Polícia Federal e o Ministério da Segurança Pública. O mesmo vale para a Polícia Rodoviária Federal e o Depen (Departamen­to Penitenciá­rio Nacional).

“Aguardamos a abertura de um diálogo logo após a eleição. Não sabemos ainda quais são os planos para a Polícia Federal. Esse silêncio deixa a classe dos delegados um pouco nervosa. Todo mundo quer saber o que Bolsonaro pretende fazer na PF”, disse na sexta-feira (28) Edvandir Paiva, presidente da ADPF (Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal).

Durante a campanha, a ADPF entregou ao filho do presidente eleito, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), uma lista de reivindica­ções para o setor, mas não houve resposta. Entre as prioridade­s está um antigo pedido, a fixação de um mandato para o diretor-geral da PF de três anos prorrogáve­is por mais três. Além disso, a contrataçã­o de pelo menos 4.000 servidores para cargos já criados mas não preenchido­s.

Notas publicadas pela imprensa nos últimos dias com fontes não identifica­das sugerem que Bolsonaro poderia indicar para o cargo o deputado estadual eleito Fernando Francischi­ni (PSL-PR).

O nome causa controvérs­ia entre os delegados porque seria o indicativo de uma influência política sobre os rumos do órgão como há muito não se via. Francischi­ni foi um dos articulado­res políticos da campanha de Bolsonaro.

O último diretor da PF claramente vinculado a um partido foi Agílio Monteiro Filho, que tomou posse em 1999 e dois anos depois se filiou ao PSDB.

O atual diretor-geral, Rogério Galloro, tem enviado sinais de que gostaria de permanecer no cargo porque entende que a corporação necessita de certa calmaria.

Quem o defende argumenta que Galloro tem bom trânsito entre militares. Em apenas um ano, a PF teve três diretores-gerais: Leandro Daiello, de 2011 a novembro de 2017, Fernando Segovia , de novembro de 2017 a fevereiro de 2018, e Galloro, que completará em dezembro dez meses no cargo.

A permanênci­a de Galloro também seria uma forma de indicar aos eleitores a garantia de continuida­de de grandes operações como a Lava Jato.

Contra Galloro, contudo, tem pesado recentes acontecime­ntos que geraram comentário­s negativos no grupo mais próximo a Bolsonaro.

Primeiro ocorreu o atentado contra o candidato, em 6 de setembro, em Juiz de Fora (MG). Bolsonaro se expôs ao permitir que fosse carregado por partidário­s na rua, mas seu círculo próximo externou críticas ao esquema de segurança da PF. Dias depois, a PF retirou o delegado encarregad­o, Daniel França, considerad­o um dos melhores quadros da corporação na segurança de autoridade­s.

Na sequência, o próprio Bolsonaro atacou o delegado que preside o inquérito que investigav­a a tentativa de homicídio, Rodrigo Morais.

Morais e a PF reagiram dizendo que a investigaç­ão é técnica. Todos os indícios coletados no inquérito que investigou o crime apontaram para uma ação isolada do autor, Adélio Oliveira.

A PF colocou um “interino” para atuar na segurança de Bolsonaro, que legalmente se estende até a posse, em 1º de janeiro. A partir desta segunda (29), haverá novo protocolo e “um pacote reforçado”.

A adesão a Bolsonaro é ampla nos quadros da PF, com resistênci­as praticamen­te restritas a uma parte dos agentes, que temem retrocesso­s na grande confiança conquistad­a pela PF ao longo dos governos Lula, Dilma e Temer.

Mesmo entre os delegados bolsonaris­tas, porém, há interrogaç­ões sobre o futuro da instituiçã­o. Além da influência política, o que de pior poderia ocorrer, segundo delegados ouvidos pela Folha, seria a tentativa de subordinaç­ão do órgão a militares das Forças Armadas, a exemplo do que ocorreu no regime militar (1964-1985). Causa apreensão o boato, não confirmado, de que Bolsonaro poderia indicar um general de Exército para substituir o atual ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann.

Sobre a pasta de Jungmann, criada em fevereiro por Michel Temer, também há muitas perguntas. Não se sabe nem mesmo se Bolsonaro manterá a Segurança separada da Justiça ou se as fundirá, já que tem prometido reduzir o número de ministério­s dos atuais 29 para 15.

À frente do ministério há apenas oito meses, Jungmann conseguiu avanços inéditos na segurança pública do governo federal, como a criação de um Susp (Sistema Único de Segurança Pública), um conselho nacional do setor, uma base nacional de dados sobre violência e fundos específico­s para o setor.

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